A tela de luz que encobre
Também
encobrece a nuvem,
Ôfega
na sobrevida entardecida,
Ofelina,
tentando, voluptuosa,
Contornar
um afogamento que,
Na
falta de água, é de cor.
Luz
poluta, ingênua, assassina
Que
se gradua para o luto
Da
ausência de cor.
A tela de luz que encobre
Também
encobrece a nuvem,
Ôfega
na sobrevida entardecida,
Ofelina,
tentando, voluptuosa,
Contornar
um afogamento que,
Na
falta de água, é de cor.
Luz
poluta, ingênua, assassina
Que
se gradua para o luto
Da
ausência de cor.
A lolita gótica
Descortina
a noite,
Encoberta
e farmacopornográfica.
Abraça
a arlequina,
Vão
procurar novas drogas
Com
o i-boy,
Ora
um Humbert Humbert
Com
vocabulário tecnomano,
Ora
um clowcel
Que
descobriu no tráfico
Um
afrodisíaco.
A
noite funambula suas camadas,
A
superficial, noturna,
A
outra, mais noturna, infinita,
A
cosplayer, a alucinógena
E
alucinada, enfurrycida.
Mais
ao longe,
Na
saída de um rock pub,
Um
sorriso sinaliza
Batom
negro, tatuagem facial
Ou
mesmo uma gag aranha?
Do
chão, a lua cabe na gag
Devoradora
que é o sorriso
Que
expandiu
Um
sonoro sonho momentâneo.
Há
algum homem morcego?
Em
uma lanchonete
Gourmet artesanal
Uma
menina com camiseta
Lésbica
heteroflex
Lê
no celular o título de um artigo
Sobre
punk veganarquista.
Em
um café meio sujo,
Uma
personagem deslocada,
Como
Blanche, lê Blanchot.
Lê
o título de uma obra
De
Blanchot.
A
noite infinita.
O
discurso infinito.
Qual
o fim da noite
Para
se descortinar
A
noite sem fim?
A
noite blanche
É
a cortina entreaberta
Da
noite noire,
Investigada
até a noite
Mais
aberta e mais insondável,
Até
a expansão impossível
Da
noite...
Noite
blanche du noir.
Narrativas fotográficas passam
Ventando
a história por minha janela.
Fotografar
as narrativas
É
aprofundar um simulacro,
Dessubstancializar
ou reforçar seus sentidos?
Fotografar
com os olhos,
Com
as câmeras digitais, oculares.
A
história que passa só fixa
A
passagem, passa o que fixou,
Não
permanece o que ficou.
Minha
janela arquivou a mobilidade
Da
história através de meus olhos
Da
realidade lá fora.
Aqui
dentro iludo, eludo, elido
O
som, surdo, para vivar paisagens sonoras
E
as transportar para as paisagens visuais
Da
história lá fora.
Aqui
dentro, a tentação da passagem
Da
janela para a tela.
História.
Onde as melhores imagens dela?
Uma paisagem sonora,
Como
o fantasma da fantasia,
Toca
no corpo, gemebundo, sutilmente.
A
paisagem é corporal agora,
Um
pouco à paisana.
Tento
imaginar, sonoramente,
Um
tapete persa, sofisticada persiana.
Mas,
não, nada disso por enquanto.
Os
dedos, o rococó tornozelo,
O
silente zelo das pernas, da bunda
São
a paisagem tensa
Da
distensão, do frouxo relaxamento.
Os
lábios mordiscam algumas notas
Que
os cabelos ouvem polifonicamente,
E
assim as compreendem.
O
pós-caligulino hálito ressacado
Entontece
as notas
Com
a sonhada orgia
Regada
à saliva no escuro
Da
goela, próxima da úvula.
Também
tento, sonoramente,
Imaginar
uma nota de uva,
Assim
como falar da vulva.
Mas
tal região vive sua própria tensão,
Seu
próprio concerto sociobiológico.
O gato
de olhos sangros
Eriça
os cabelos da noite.
Que
mênstrua mensagem
Passaria
sua passagem?
Os
cabelos da noite
Nos
galhos da noite
Descansam,
dormitam
O sono
dos injustos,
A vigília
dos justos.
Mas
que sangue ainda luz
Nas
madeixas, que vermelho
Meneia
mudas queixas?
O pássaro
pia o dia com gangrena
Da
noite nulificada,
Pelo
sangue do dia encharcada.
Não
mais se estanca do dia a veia,
E o
que se anula
Ainda
guarda sua caveira:
O pássaro
gangrena,
O pássaro
sangra,
O pássaro
sangrena.
A massa do sonho
Rasteja
na fronha,
Enrodilha
o edredom.
Caliginoso,
adrede
Adentra
a boca
E
adormece em seu halitoso
Esmegma.
A
boca que desperta
Recondita,
escova, redondilha
E
cospe os sonhos do sonho.
O
som do sonho, bochechoso,
É
aquoso, e corre
Uma
sombra de desejo,
Um
fio de infinito
Que
o ralo desfia,
Desfibra,
deslinda, des
De
que nasceu.
Quero um sugar daddy.
Sou
de esquerda.
Não
quero mulher com filho.
Não
agora.
Nem
com celulite.
É casado?
Quanto
ganha?
É médico?
Manda
foto de agora.
Vamos
nos encontrar.
Quando?
Quando
quiser.
Na
semana que vem?
Não
dá.
Sou
feminista.
Não
diga oi.
Seja
criativo.
Leu
o perfil?
Sou
bissexual.
Bom
dia.
Boa
tarde.
Boa
noite.
Bom
dia.
Boa
tarde.
Boa
noite.
Quero
me casar.
Ninguém
quer.
Quero
foder.
Quero
ménage.
Quantas
vezes fez?
Várias.
Uma.
Nenhuma...
Não
sei o que quero.
Você
é abusador?
O cabralino insuportável
(Que
só lê, não deslê)
Canta
a insuportável bukowskiana
Entre
os comes e bebes
Do
evento cultural
Que
tenta não ser um evento-encenação.
Passam
a noite lendo, não deslendo
Toda
a lida burocrática,
Insuportável, da aproximação.
A
bukowskiana,
Insuportavelmente
bêbada,
Já
relida e deslindada,
Parece
não querer mais nada.
O
cabralino, sem querer tecer a manhã,
Não
mais querendo catar feijões,
Começa
a deslida,
A
partir da porta de saída.
Distantes, falam cães.
Mais
próximas, pessoas latem.
Nos
latidos, ruídos de fala,
Projetos
de articulação
Fazem
coro com os que emito
Abrindo
os olhos com o lento ritmo
Do
sol nascendo, coral.
São
diversificados os ritmos da vida.
Já
disseram: inumeráveis.
O
pentâmetro iâmbico dita
A
mastigação, a natação?...
Quem
o sente, sem sequer conhecer?
Principalmente
sem sequer conhecer.
Os
ingleses tentam, tentaram.
Troqueus,
espondeus,
Cesuras
alexandrinas.
Tais
ritmos movimentam a vida,
Cadenciam
a respiração,
Organizam-na
junto ao universo
Em
uma bela e metabólica ilusão.
Quais
os ritmos das falas dos cães
E
dos latidos dos homens?
E
das mulheres?
Para
quem as redondilhas maiores,
E
as menores, e os heroicos e os sáficos?
Sobretudo
inumeráveis são os ritmos.
Permaneço
lento como o sol matutino,
Tentando
despertar,
Mas
quase livres, quase brancos.
De
um mourisco entibiado,
O
risco no telhado
Brilha
baço, falso, e faúlha
Dois
fósforos acima do faro.
Mira
a lua, farol
Do
mar noturno,
E
salta distante e alto.
No
outro telhado, ao lado,
O
som assusta
Quem
de repente está acordado
Imaginando
um assalto.
Mas
só queria assaltar a lua.
O
gato.
A
orquídea exala quase abrupta,
Nascitura
precoce na noite escura
De
odor que persiste na pele musga
De
tudo o que não existe e rusga
No
olfato do jardim de ninguém,
Olorosa
catadura que gradua as camadas
De
sonho que cataratam meus olhos
De
luz soturna. Uma inalação musgo,
Azul-marinha
marinando o sonho
Em
camadas com a temperança
De
ondas vagas, saturnas, aniladas.
Sigilo,
silêncio, cismação, vagor,
Plantio
de passos compassados
Em
um equilíbrio que já não intui
Futuro,
presente, passado.
Jardim
além, jardim fantasma,
Aterrissa
até que na terra haja,
De
terreno, pouco ou quase. Ou nada.
É muito difícil de encontrar a mulher de
três seios. Às vezes, deixa pela casa potinhos de fezes duras e amarronzadas. Quando saio da jaula, persigo. Sua
origem se confunde com a condição anômala. Só posso amá-la, ou amá-la antes de
compreendê-la. Na realidade, não posso compreendê-la. Gosta de fazer o
quarto-prisão da jaula aludir ao imaginário de Chernobyl. Gosto. Vazio,
arruinado, com bonecas sexuais defeituosas. Relaciona-se com algumas. Há uma
predileta que amamenta junto comigo. Também tenho de amar essa boneca. O corpo
humano é obsoleto, a não ser quando anatomicamente desestabilizado ou sintético.
Não sei o que será de meu corpo. Tem de ser humilhado, punido, o velho corpo,
como a velha korpa. O seio do meio é desequilibrado, intruso perfeitamente
anômalo em um corpo imperfeitamente equilibrado. Senti que eu poderia sugerir,
com gestos, comê-lo junto com a dona, mas a boneca amada mandou calar qualquer
indicação que pudesse caracterizar uma dádiva. Comer um seio anômalo só poderia
ser uma dádiva. Nunca serei um monstro. Já tenho de agradecer a amamentação.
Minha função no seio da existência é adorar, sofrer e depois morrer. Talvez eu
seja comido como escárnio, pela mulher de três seios e pela boneca. Talvez por
todas as bonecas. Como música de fundo, a da deep web. Filmarão? Venderão? É
provável que não. Ser comido na deep web não é escárnio, deve ser também alguma
espécie de dádiva, segundo a boneca, e não receberei nenhuma dádiva post-mortem.
Tudo
o que ela tocou, olhou
Foi
esterilizado pela noite, pela lua.
Acima a lájea fria,
Embaixo
a luz dura.
Crueza
do processo, como salvação,
Rendição,
alguma enebulada cura.
Se
do obumbrado ombro de deus
Fluiu algum frio sombrio de sepultura
É
porque ela passou, tocou, olhou
As
plantas, as águas, as pedras,
Braceletes,
colares, cabelos.
O
silêncio nos cílios pesa pouco.
Dessa vez sonolesce
Enquanto escurece.
As plantas respiram profundamente,
As
águas manam seus fios
Junto
aos cabelos úmidos,
E
os braceletes e colares de ambos
Se
misturam, voluteiam
E
se enlaçam nas pedras.
O
silêncio dos cilícios,
Só
o som das águas
E
da respiração profunda dela,
Enfunada
pela noite:
Embarcação
do sonho.
Ela
prometeu o que Prometeu
Conseguiu
e o que não conseguiu,
Hýbris sem nêmesis.
Citou
Citera e a Citereia
E prometeu
a própria Alétheia,
Se
desviando do Léthê.
Após,
moderna, prometeu, pediu
Um
amor polimonstruoso
Estilo
Hugh Hefner + Chernobyl.
Quando?
Quando?
Mentiu,
mentiu.
Sorriu,
disse que era tudo poesia
E que
eu fosse pra puta que me pariu.
A geografia
das estrias
Mapeia
viagens raiadas, solares,
Bifurcadas
como redes neurais
Com
seus padrões e linhas de fuga,
Cavando
territórios no terrestre da pele,
No
que reste de íntimo para ser exposto.
Peregrinação
herética de rastros repleta,
Luminosos,
profundos, sombra
Que
se revela na luz e embaça:
A baça
guia que só guia se procurada,
Guia
perdida, guia guiada, perdida junto
Com
quem a procura.
Tal
geografia, sua textura, é teste
De
aventura, geografia e história
Que
no corpo encarna e reconta
A origem,
tão perdida quanto o aventureiro,
O peregrino,
a guia, quem a procura.
No
estio, a estriagem dói sua luz,
Pusilânime
branco, amarelo, rosa pus
Que
gradua dos andarilhos
A esperança
que cada um pôs.
Passava todo dia
Perto
da comic shop
Até
chegar à praça
Para
se sentar no banco
E permanecer
espairecido
Durante
trinta minutos.
Após,
retornava
Passando
pela mesma loja.
Fez
o mesmo percurso
Durante
dez anos.
Nunca
fez nada
De
extraordinário.
Pedaço de seu seio
Em
meu estômago.
Trecho
de minha pele
Em
sua pelugem.
Excerto
de seu olho
Em
minha boca.
Enxerto
de minha orelha
Em
seu antebraço.
Nesga
de sua vagina
Em
meu buço.
Rasgão
de minha língua
Em
seu ânus.
Gotícula
de sua saliva
Em
minha lágrima.
Naco de meu cabelo
Em
seu púbis.
Película
de seu cílio
Em
meu dente.
Partes
de nossas partes
Em
nossas partes,
Até
que a partida
Nos
desaparte,
Por
destino ou capricho,
Contra
a vida e a arte.
Preencheu meu corpo
Com
hieróglifos menstruais,
Marcas,
linguagem
De
uma comunicação arcaica
Ainda
por ser decidida, criada, lida, falada.
Hieróglifos
daqueles simulados,
Como
próteses de algum tribalismo
Na
imaginação de uma lua escarlatina,
Na
noite que pesadelou um feminicídio
Em
meu corpo, mas se aqueceu
Na
pelagem de um cãozinho sangrento,
Encoleirado,
buscando, jocosamente,
Quem
decifrasse o indecifrável.
Às
vezes ela montava.
Comi
ração, pão, um pouco de mato.
Vaguei
na noite, aguardando o feitiço,
A
dose que a mim caberia, minha vitimização,
Entoei
odes à mutilação e ao sacrifício.
Minha
pele tatuada de vermelho
Seria
exposta na árvore escolhida.
Finalmente,
na natureza descansaria.
Mas
continuo engatinhando,
Vivendo
na tensão e no prazer
Do
ritual eterno, que nunca foi,
Nunca
é, nunca será.
Uma
diz à outra:
“Você
é linda, miga.
Fada
sincera,
Fada
sensata”.
Reina
em sua luz
A
quimera da tela,
Fantasma
Que
qualquer bruxa
Evoca,
contata,
Remida
a magia,
Medeia
que medeia
Essa
era.
Esse
fantasma
Se
desata e retoma
Os
jardins, as florestas,
As
ruas, as noites.
Circeia
as orlas das noites.
Nelas
posta um feitiço.
Ora,
oracula um comentário.
Ele
alumia,
Diria
a voz antiga
Em
algum simulacro
Ou
podcast perdido.
Alumia,
relume,
Em
um noturno jogo
De
luz e sombra
Como
os resquícios
Das
tintas
De
pintor holandês.