quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

SEM TÍTULO (A GRAMA FAZ UM SOM ESTRANHO APÓS A CHUVA.)

A grama faz um som estranho após a chuva.
Balbucia sutil em frente de mim,
Como o rumoresque senum severiorum
De Catulo, em face do qual capitulo
Com um de meu ouvido, enquanto o outro
Outro mais sutil balbucio capitula,
Qual seja: o som da folha na gramática
Da grama, acariciando seu latim,
Beijo lésbio após a chuva benfazeja.

SEM TÍTULO (CAMINHO COM BIBLIÔMANAS PARADAS)

Caminho com bibliômanas paradas
(Vertiginosas livrarias),
Um cansaço posmoderno me vitima
- Pós-eliotoborgiana vindima.
Desgasto a babilônica alegoria,
Nem mais creio em todo leitor como hypocrite,
Nem auréola no asfalto se enlameia;
E a femme fatale perdeu a teia.
Mas a máquina metafórica se lubrifica,
E não há tropo que não tropique com meu trote
(Aqui mesmo, nos tristes trópicos,
Onde tudo o que é passado frutifica).

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

SEM TÍTULO (O ANTROPOS TROPEÇA NA RUA,)

O antropos tropeça na rua,
Seus tropeços caminham,
Seus caminhos morfeiam
Enquanto ele morfeia com a tecnologia
(Toma pílula, regula o corpo
Desajustado, reajusta seu organismo),
Enquanto alguém reclama
Da ditadura do celular
Para alguém do outro lado do celular.
Um cão passa perto do antropos
E seus rostos se entrecruzam
Em sintonia tecnoselvagem,
Rostidade não mais tão resoluta,
Fazendo o antropos se perceber animal
Sem perceber, por um órgão
Que se levanta repentinamente
(Cartaz da Scarlett Johansson),
Pelo suor, pela necessidade de urinar,
De se arruinar no enxame monstruoso
Das formigas escarlates
- Starlets sob a vermelhidão solar,
Que ele chama de irmãs,
Ainda não tão em cartaz.
Alguém tosse, anonimamente,
E ao tossir é como se uma interpelação
Ideológica chamasse o antropos,
Que não ouve ou ouve mal,
Afinal ouve mais o som múltiplo
E confuso da sociedade complexa.
A psique do antropos
Tem um Freud de ocasião,
Um Winnicott de sobreaviso,
Um Jung de momento,
E muitos deuses com os quais
O antropos morfeia, como agora,
Sentindo sono, morfeando com Morfeu. 

domingo, 6 de dezembro de 2015

SEM TÍTULO (NA TUMÛLTUA)

Na tumûltua
Cidade city cité
Que já Engels assustara
Onde a lagosta
Do mendigo insano?
Onde passos lentos
De cabelos coloridos
(Vertendo verde
Em algum buscado verso)
Ao lado da tartaruga?
Na augústica acústica
Da algaravia da
Cidade city cité
Onde o multitudinário
Abraço benjamin-baudelaire
Que faz o passo
Desvelar a alegoria
Na melancolia?
E Cesário Verde,
Ainda em alguma
Pequena cidade
Sinistros sinos ouviria?

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

SEM TÍTULO (UMA PUTA PASSA.)

Uma puta passa.
Observo-a em seus
Benjamínimos detalhes.
Não há artifício
Que salve do artifício.

sábado, 24 de outubro de 2015

SEM TÍTULO (O CABELO CRESPO)

O cabelo crespo
Elaborou o labirinto
Das sensações fusion.
A música acordejou
O corpo natural.
Esmeraldinamente
A voz vibrou
Sopro de luz.
Colares de desejo
Serpentearam pelas falanges
Dos dedos.
O orgasmo do rubi
Refletiu o ventre.
O beijo rebuscado
Massageou com a saliva
O ego, que se perdeu,
Afogado talvez.
A violência do amor
Prosperou a vida,
Que evaporou
Como cinzas de incêndio.


domingo, 18 de outubro de 2015

SEM TÍTULO (A PROMISCUIDADE DE UMA SOMBRA)

A promiscuidade de uma sombra
Esfria no canto de uma esquina.
Meus olhos esquentam
Por causa da luz da sombra.
Vejo um casal sentado em um bar
Conversando por rede social no celular.
Por um momento minha inspecção
Confunde a subjetividade de um no outro,
Transferindo a de um para o outro.
As personae online se mesclam
Com a subjetividade de ambos trocada
E no ínterim altera a realidade
(Não sei se mais a minha ou mais a deles).
A (auto)biografia ficcionalizada deles
(Toda (auto)biografia tem sua ficção)
Se exibe em um fio de cabelo que cai
Da cabeça dele ou dela
(Não sei quem é ele e quem é ela,
Digo, não sei quem é o homem e quem a mulher,
Digo, não sei ao certo
O que é homem e o que é mulher).
Agora estou online.
Agora não mais.
Não faz tanta diferença.
Uma nuvem promíscua chove.
Limpa a sujeira, menos a divina.
Há uma mistura de intenções aqui e ali.
Encontrar pessoas na rua é erotismo,
Ainda que latente
(Porém não sou freudiano).
Uma mulher passa e leva junto
Toda a elaboração do meu mecanismo desejante
Que continua exercendo sua função indefinidamente.
(Não sou freudiano.
Freud é brilhante).
As femmes fatales não existem.
Por isto, existem bastantes.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A REACINHA

Já amei a que com Marx queimava a xana.
Hoje amo a liberal reacinha.
Quando falo em Mises molha a calcinha
E diz que vivemos em uma ditadura bolivariana.

A reacinha também diz que me ama.
Tudo que é vermelho odeia,
A não ser a cabeça do meu pau que incendeia
Seu corpo quando aprisionado na cama.

Nosso jogo erótico “Oprimido e Opressor” se chamaria.
A revolução se dilui em gemeção apoplética.
Amigo dizia que ela não valia nada, mas mais valia
E vale que qualquer miçangueira da dialética.


SEM TÍTULO (PASSEANDO POR UM PARQUE,)

Passeando por um parque,
De madrugada,
Você meiossorri, senta no banco
E seu corpo inicia
Uma imperceptível transfiguração.
Não há ninguém na madrugada,
Só árvores, bancos
E um pouco de terra.
Mas eu consigo captar os indícios.
Seus cílios se assemelham
A Sêmele: se assemelam.
Aquele das árvores
- O vento - te liberta os cabelos,
Lufante carícia, carícia a lufanar.
Não há nada, ninguém,
Nem bebida, nem dança,
A não ser a do vento,
A não ser sua saliva
Que experimento por momento
No presente do passado
(Santo Agostinho
A definir a transcendência do meu prazer).
Você não fala, só meiossorri
Com os olhos bêbados
De ausência de bebida.
Ou então por causa
Da noite com a qual comunga
Sem diretamente perceber,
Ou do vento libertador.
Você não fala, não grita,
Não corre, bacante cansada que é,
Bacante que gosta de banco de parque...
Você, a lua e o vento:
Mênade ménage que invento
Para poder acompanhar
O labirinto do desejo
Que no seu corpo
É menos grito e mais calar.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

SUSTADO DIA

Amanhecem alaridos,
Sons motorizados,
Gritos de crianças.
De repente tudo performa.
O funcionamento do dia degringola.
Deve ter sido algum motor
Assustado pelos gritos.
É mais frágil que parece.
Ou mal construído?
O simulacro do meu palco,
Na minha cama, se realiza,
Dessimulacra.
Desrealiza o que está lá fora,
Lá tudo performa.
Levanto, ergo meu lamento,
Minha angústia muda
Mesclada ao prazer
Da manhã de certa forma
Bem acordada,
Já que aqui ainda estamos
- Os mesmos e outros?
Não sei qual acordo haverá,
Mas antes de eu passar
Pela porta da frente
Tenho de retomar o palco.

domingo, 4 de outubro de 2015

REFLEXO

Li
Po
Pergunta:
“Po
Esi
A”?
Res
Po
Nde
Tu Fu:
"A lu
A”.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

SEM TÍTULO (UMA MULHER, SEM QUERER,)

Uma mulher, sem querer,
Cuspiu sua luz em minha boca.
A ponta orvalhada de uns cílios
Quase sonhou um brilho equívoco.
Uma beleza errante procura
O momento de um drama,
Aguarda a lucidez de outra situação
Que a agencie e exalte.
O gosto do abismo assalta
Meus pés de asas feridas.
Adentro um tufão
De salivas e palavras
(Salivas enteiando palavras).
A fumaça dos carros
Se mistura à saliva e ao palavrório.
A beleza (com alguns inconfessos
Desejos de zimbório)
Distorce o rosto das pessoas
Que passam pelas ruas.
Vai distorcendo, transformando
Tudo ao redor, provisoriamente,
Líquida, esvoante, sem parada.
Eu a perdi novamente. 

domingo, 20 de setembro de 2015

SEM TÍTULO (O VERMELHO DO SANGUE)

O vermelho do sangue
Fluindo no roxo da veia
Sendo suplantada pelo vermelho do lábio
Escurecendo pelo roxo do machucado
Esclarecendo pelo vermelho do batom
Umedecendo pelo roxo da amora
Se mesclando com o vermelho da outra amora
Tingindo meus lábios
Beijando os seus, agora.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

SEM TÍTULO (NA SOMBRA DA PAREDE, DA RUA,)

Na sombra da parede, da rua,
Um corpo e a falência de seus órgãos;
Sua aérea performance nua,
Se desdobrando à revelia
Do corpo orgânico,
Mais doente e tísico do que o aéreo
Corpo escuro revel.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

EXERCÍCIO

Fulvam o rosto do dia
As asas de uma borboleta.
Há todo um jogo de cores
Que tais asas precisam subsumir.
Exercício poético complexo.
Cores flanantes precisam
Ser caçadas, mescladas, mitigadas
Em seu potencial diferenciador
Para que voem definidas
Em uma só cor.
Após, tal cor tem de retornar
Ao mundo, o transformando,
Alimentando o paradoxo
De no monocromo
Distinguir mais nítidas
Todas as cores cooptadas. 

A GANGUE

As menores afrontam a noite
Como uma gangue de prazer,
Postiço ou não.
Dançaram funk na sala de aula,
Sem roupa.
O professor gostou muito.
Transaram com ele no banheiro
(Ele guardou segredo,
Por enquanto).
Elas filmaram no celular
(Não podem deixar vazar).
Afrontam, depois, a noite
Como se a gangue
Fizesse uma rave particular.
Usam drogas sintéticas,
Se beijam na boca,
Uma perde o boné.
Mais tarde, outra perde
A direção da casa
E engravida de um policial
Que, no futuro, a matará
Por achar que foi traído.
Quanto a mais pobre no momento,
O odor da prostituição já a seduz,
Cada vez mais próximo.
Um cliente cortará sua jugular.
Das outras, só uma trabalha.
Ajuda a mãe na feira,
Mas mais falta que comparece.
A penúltima está tendo
Uma overdose agora.
Mas não morrerá.
Seu futuro lhe reserva
Muita miséria antes da morte.
A última, um pouco mais nova
(Onze anos),
Violada pelo pai
Com consentimento da mãe,
Será levada de casa
Por um parente.
Estudará, estudará, estudará
E será professora doutora.
Morrerá cedo,
De ataque cardíaco
Ou de saudades de sua gangue,
Ainda não se sabe ao certo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

DESLIZE

Desliza o desejo
No mundo do sono.
Depravações amolecidas
Como se Dalí
Estivesse sonhando maçanetas,
Seios e mesmo
Toda uma mulher.
Desliza o desejo
(Um Lacan gira a maçaneta).
Moço e moça:
Um casal se almoça,
E o sexo inexiste.
Desliza o desejo,
O sono vibra, relaxado.
O corpo ressona,
E o desejo desliza
Continuando seus trabalhos. 

sábado, 15 de agosto de 2015

SEM TÍTULO (CORPOS MÚLTIPLOS EM MEU CORPO.)

Corpos múltiplos em meu corpo.
Fauna selvagem que eu alimento.
A íris mênstrua do olho de uma flor
Persegue todo meu movimento
(Ou o de dentro?).
A asma da noite revigora meu hálito.
O império de um tísico depõe meu ego.
De uma torre do castelo
Uma propaganda em néon
Diz “É impossível ser um só!”,
Assim como é impossível ser só,
E você não pode desejar a morte.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

AMOR À LUTA

Como um boxeador lango lango
O orvalho de vinho oscila a cabeça
Até golpear o seio desguarnecido.

CORPO EXPANDIDO

Uma violência mística atinge o fundo do olho.
Bárbaros sacrificam o fundo do olho.
O regime de algum imaginário grita
Em seu olho tão incompreensível
Que você compreende como se compreendesse tudo.
Após a violência, uma exaustão
Se apodera do corpo, o expande,
E na expansão anula qualquer possibilidade
Que não seja anulação.
A água limpa o sangue,
Rosas cobrem o corpo de vermelho,
Flores atacam com delicadeza.
Margaridas, tulipas;
Mas o sangue das rosas
Defende seu império perfumado.
Também há conflito na delicadeza.
O corpo dorme, vermelho e calado.

domingo, 2 de agosto de 2015

AFETO

Deixar aparecerem os órgãos
Para aumentar a frequência afetiva.
Amor, aqui meu fígado.
Apareceu quando despertei.
Trocar partes do corpo,
Compartilhar membros,
Androginar a metamorfose.
As crianças trocam figurinhas.
Algum Cristo lhes deveria
Dizer para trocarem seus membros,
Brincarem com os órgãos uns dos outros
Desde a mais tenra infância.
As aulas de anatomia deveriam ser diferentes.
Um pouco de canibalismo também faria bem.
O amor precisa destas mudanças.
Amor, aqui meu baço.
Pegue o seu, me imite,
Faça o que eu faço.
Você daria um beijo nele no final?