terça-feira, 30 de setembro de 2014

HÚBRIDO

A muito custo
É que se escapa
Do leito de Procrusto.
É preciso até
Destemer nêmesis,
Até amar a hybris,
Até amar Até
Para não admirar
O crepúsculo
Com sofrósino escrúpulo,
Que o dulçor da doxa
Não permite
Nem a violenta,
Paradoxa união,
A todo custo,
De todas as gradações
De vermelho
No músculo
Da palavra rúbrida.


SEM TÍTULO (DEIFORMADO PELO MITO)

Deiformado pelo mito
Que logo somos,
Antes e através do logos,
Vejo uma deformidade
De beleza no mundo
E no abismo mais profundo
Até da mais
Aparente aparição
Da linguagem.
Sinto em mim a deformação.
Sonho o mito vivo
Na força de toda imagem.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

LOGO ALI

Para Marcuse,
O que uso me usa
- Como usar
A tecnologia
Só para o bom uso,
Para que Deguy
Não mais diga
Da antropomorfose,
Ou Agamben também
Mais não diga
Da vida
Que disponho
E deposito
Logo ali
No dispositivo?

sábado, 20 de setembro de 2014

VIOLÊNCIA

Com o ódio de um masculinista,
O sol ferveu a pele da mulher
A pé, com uma filha no colo
E com saco de compras na mão.
Chega em casa quase chorando.
Faz a filha dormir,
Guarda os alimentos escassos.
O marido havia saído
E não mais voltado.
Ela também adormece, exausta
Há muito tempo.
Desperta e é início da noite.
Sai de casa para falar
Com a branda lua
Sobre a violência do sol. 

POEMA COMOVIDO

Boa poesia.
Bom filme.
Boa música.
Salgado Maranhão
Declamando Mater.
Outro planeta
Atingindo a Terra
Em Lars von Trier.
Caetano cantando
“Você é Linda”.
Uma lembrança amada
Colhida de um odor
No meio de um dia
Ou em uma visão fugidia.
Boa luta.
Jon Jones contra Gustafsson.
Despertar e se sentir em casa
Mesmo sendo o estrangeiro. 

O CÃO

Um cão anda na luz.
Fareja um paraíso perdido
Em algum beco
Que ninguém viu.
Ele quer uma cadela
Para ter um filhote
Que traga paz
Aos homens.
Quer que a cadela
Tenha o filhote
Nas escadas
De uma igreja. 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A sífilis noturna
Aquece a ventania.
Assombra a jovem solitária,
Assim como a solidão
Assombra a solitária
Dentro da jovem
Dentro da noite doente.
Mas no mais íntimo do escuro,
Só a solidão está só.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

DESATIVAR

A violência do cotidiano,
Da mídia, do Estado
E de seu aparelho repressor,
Da existência, do amor,
Da Revolução, da reação,
Que toda violência se contemple
Por um momento
Na violência do poema
E se desative
Na gestualidade
Absoluta e integral
Da escritura. 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

PROMESSA

Pressinto uma histeria coletiva.
Tenho medo de rir, medo de dançar.
Não contem piadas, não toquem flauta.
Tenho medo de ter muito medo
E sair correndo, em pânico.
Não corram, tenham medo controlado.
Prometo que, por minha vez, não correrei...
E prometer me dá medo.

sábado, 6 de setembro de 2014

POEMA SEM SONO

Por um momento a vi
Não como sombra
Ou como luz fatal.
A vi como mulher,
Uma mulher normal.
O erótico animal que logo sou
Não soube como se portar,
O que dizer.
O poema não houve
Ou quase não quis haver.
A mística dominatrix,
A musa bizarra
Acordou de seu sono.
Por um momento,
Satã deixou de existir,
Assim como Deus.
Mulher, terei de vê-la
A partir de agora
Sem mais nenhum artifício,
Estereótipo ou mistificação?
O poema é sono.
O poema não acorda.
E se acordasse, então?
E se já desperto,
A vendo como a mulher que logo é,
E assim compondo os versos
Sem mais ilusão?
E se o poema estivesse já
Dispersando a sombra
E fugindo à fatalidade da luz,
Fazendo com que você apareça
Como sempre foi:
Uma mulher, sem maiúscula,
Sem a fagulha da divindade
E sem a marca da perdição? 

CANTO ABSOLUTO

Pássaro mutante,
Ilumina moldando o dia
Que nasce em sua boca solar.
O dia é uma construção
De sua boca e de seu voo.
Múltiplo pássaro quente,
Está em suas penas
De luz a sensação
Rediviva de despertar.

OBRA DE DEUS

- O que fez hoje, filha?
- Ops! Dei.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

SENTIDO

Uma mulher nua escrevendo na outra.
Uma sarda sardônica alaranjando
Um sorriso rubro.
Um trejeito gótico tangenciando
A coluna da esquina escura.
Um canto de pássaro passando
No vento do cabelo.
O sentido geral tentando ser retomado.
O sentido geral não existe.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

REVOLUCIONÁRIO

Odeio tanto a burguesia
Que, ao olhar para o espelho,
Lhe desfiro um soco.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

CASUAL

Octavio Paz disse
Que escreveu trecho
De “Blanco
Em pleno ato sexual.
Os surrealistas
Experimentavam
Escrever poesia
Após estafa sexual.
Que este poema
Seja, então,
Uma espécie
De sexo casual.

SEM TÍTULO (O CHEIRO DA IGREJA BRILHA.)

O cheiro da igreja brilha.
Seu cheiro iluminado à noite
É contaminado pelo frescor da lua.
Jesus, o mendigo, ainda está na rua.
Um cheiro de mulher atravessa.
Não sei, agora, se é o perfume
Ou o cheiro de uma árvore próxima.
Como um sanhaço-de-fogo,
Assanhado o dia nasce.
A prostituta vai dormir, cansada,
Quase nua.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

SEM TÍTULO (UMA HORA A MAIS DE LAZER.)

Uma hora a mais de lazer.
Uma hora a menos de medo que não alivia.
Uma hora a mais de beleza à luz do sol,
De leveza de planta, de sono bom
E de sonho de suave poesia.
Uma hora a menos de obsessão,
De ansiedade, desespero, angústia
E de perseguição de perversa fantasia.
Melancolia e depressão
- Companheiras do dia-a-dia
- Dispersem seus passos
Em nova direção, mas retornem,
Não despareçam de todo,
Senão como dramatizar a realidade
Sem que ao menos haja uma gota de verdade,
Sem que ao menos haja a possibilidade
De ter sentido parte de tudo aquilo um dia?