quarta-feira, 19 de agosto de 2015

EXERCÍCIO

Fulvam o rosto do dia
As asas de uma borboleta.
Há todo um jogo de cores
Que tais asas precisam subsumir.
Exercício poético complexo.
Cores flanantes precisam
Ser caçadas, mescladas, mitigadas
Em seu potencial diferenciador
Para que voem definidas
Em uma só cor.
Após, tal cor tem de retornar
Ao mundo, o transformando,
Alimentando o paradoxo
De no monocromo
Distinguir mais nítidas
Todas as cores cooptadas. 

A GANGUE

As menores afrontam a noite
Como uma gangue de prazer,
Postiço ou não.
Dançaram funk na sala de aula,
Sem roupa.
O professor gostou muito.
Transaram com ele no banheiro
(Ele guardou segredo,
Por enquanto).
Elas filmaram no celular
(Não podem deixar vazar).
Afrontam, depois, a noite
Como se a gangue
Fizesse uma rave particular.
Usam drogas sintéticas,
Se beijam na boca,
Uma perde o boné.
Mais tarde, outra perde
A direção da casa
E engravida de um policial
Que, no futuro, a matará
Por achar que foi traído.
Quanto a mais pobre no momento,
O odor da prostituição já a seduz,
Cada vez mais próximo.
Um cliente cortará sua jugular.
Das outras, só uma trabalha.
Ajuda a mãe na feira,
Mas mais falta que comparece.
A penúltima está tendo
Uma overdose agora.
Mas não morrerá.
Seu futuro lhe reserva
Muita miséria antes da morte.
A última, um pouco mais nova
(Onze anos),
Violada pelo pai
Com consentimento da mãe,
Será levada de casa
Por um parente.
Estudará, estudará, estudará
E será professora doutora.
Morrerá cedo,
De ataque cardíaco
Ou de saudades de sua gangue,
Ainda não se sabe ao certo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

DESLIZE

Desliza o desejo
No mundo do sono.
Depravações amolecidas
Como se Dalí
Estivesse sonhando maçanetas,
Seios e mesmo
Toda uma mulher.
Desliza o desejo
(Um Lacan gira a maçaneta).
Moço e moça:
Um casal se almoça,
E o sexo inexiste.
Desliza o desejo,
O sono vibra, relaxado.
O corpo ressona,
E o desejo desliza
Continuando seus trabalhos. 

sábado, 15 de agosto de 2015

SEM TÍTULO (CORPOS MÚLTIPLOS EM MEU CORPO.)

Corpos múltiplos em meu corpo.
Fauna selvagem que eu alimento.
A íris mênstrua do olho de uma flor
Persegue todo meu movimento
(Ou o de dentro?).
A asma da noite revigora meu hálito.
O império de um tísico depõe meu ego.
De uma torre do castelo
Uma propaganda em néon
Diz “É impossível ser um só!”,
Assim como é impossível ser só,
E você não pode desejar a morte.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

AMOR À LUTA

Como um boxeador lango lango
O orvalho de vinho oscila a cabeça
Até golpear o seio desguarnecido.

CORPO EXPANDIDO

Uma violência mística atinge o fundo do olho.
Bárbaros sacrificam o fundo do olho.
O regime de algum imaginário grita
Em seu olho tão incompreensível
Que você compreende como se compreendesse tudo.
Após a violência, uma exaustão
Se apodera do corpo, o expande,
E na expansão anula qualquer possibilidade
Que não seja anulação.
A água limpa o sangue,
Rosas cobrem o corpo de vermelho,
Flores atacam com delicadeza.
Margaridas, tulipas;
Mas o sangue das rosas
Defende seu império perfumado.
Também há conflito na delicadeza.
O corpo dorme, vermelho e calado.

domingo, 2 de agosto de 2015

AFETO

Deixar aparecerem os órgãos
Para aumentar a frequência afetiva.
Amor, aqui meu fígado.
Apareceu quando despertei.
Trocar partes do corpo,
Compartilhar membros,
Androginar a metamorfose.
As crianças trocam figurinhas.
Algum Cristo lhes deveria
Dizer para trocarem seus membros,
Brincarem com os órgãos uns dos outros
Desde a mais tenra infância.
As aulas de anatomia deveriam ser diferentes.
Um pouco de canibalismo também faria bem.
O amor precisa destas mudanças.
Amor, aqui meu baço.
Pegue o seu, me imite,
Faça o que eu faço.
Você daria um beijo nele no final?