quinta-feira, 30 de maio de 2013

O SUFICIENTE

Deixo o vento e a leve chuva
Tentarem violentar meu rosto.
Não me interessa se isto é purificação
Ou blasfêmia...
O vento fêmea nenia um bebê morrendo
Em alguma cova mal costurada
Do meu rosto.
Eu gostaria de violentar estrelas.
Não uma Marilyn Monroe (seu cadáver),
Mas as lá de cima (às vezes cadáveres).
Ser um estuprador sideral.
Não me interessa se isto é purificação
Ou blasfêmia...
Sonho o sangue e o esperma sonhadores,
Avassalando o mundo,
Criando tudo, violentando tudo,
Purificando e blasfemando.
Para esta noite parece o suficiente.


terça-feira, 28 de maio de 2013

Como se um contemporâneo César
Dissesse alea jacta est
E se aliasse, assim,
A ética com a estética:
Est(É)tica
(Segundo um Domeneck),
Presumida
Até no som lek, lek, lek
Do leque
De alguma madame Mallarmé
De mão que não cessa?
Essa como a mesma por ora ardente
Gullar-heideggerianamente
Mão de terra
Que na própria matéria naufragará?
É neste lusco-fusco de tom fúcsia
De revela-esconde
Que o ser do ente estará?
É est(É)tico
Ou doente este som lek?
Mas o mallarmaico leque
Que outro possível som
Ainda soaria ou soará?
E será perfumado como mallarme
De aboli bibelot
Ou será como
Beneficium juris nemini est denegandi
O lance de dados que não abolirá?

domingo, 26 de maio de 2013

quinta-feira, 23 de maio de 2013


Pudesse a sorte
De na vida de seu corpo
Encontrar a morte como consorte.
Na cerimônia do encontro,
Na corte dos corpos
Procurar a fissura, o corte
Que abrisse da nossa condição
O horizonte mais humano
Do animal transfigurado:
Ritual com sacrifício
Sangrando o que houver
De mais sagrado.

terça-feira, 21 de maio de 2013


O sangue e o esperma correm.
Como construir a imagem deste sangue
E deste esperma sonhadores
Que seriam, se fossem, uma só imagem
Se multiplicando como se o mundo
Fosse artérias, veias e outras passagens?
Não basta uma gota de sangue em cada poema.
Não basta ver o mundo com outros olhos
E nem a ausência de luz nos olhos.
É preciso que nada baste
Para alimentar este sonho
Do sangue e do esperma ou do que seja,
Já que tudo, por enquanto, ainda basta.
Qual a origem, se é que possui?
Qual o destino?
Um útero além do horizonte?
Um corpo indistinguível?
Mas talvez tudo isto ainda bastasse.
Seria preciso que nada bastasse.
Seria preciso tudo
Para que nada bastasse. 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

DE VORE


Ela dizia que curtia cultura vore,
Que o Discovery Channel
Era pornografia,
Que curtia qualquer receita de carne curtida
E criou uma seita internacional: Food Anal.
Chorava em mim
Para curtir minha carne no sal,
E enquanto o sol devorava
Qualquer recanto de sombra,
Um dia caçou um grilo de sobra
E o comeu com muito sabor
Enquanto eu, transido de pequeno horror,
Pensava que aquilo fosse obra
De um pantagruelismo
Com um pouco menos de humor.
Mas no final foi engraçado.
Disse que queria comer meu dedo
E eu fui embora dizendo para enfiar no rabo.
Para meu repentino medo,
Disse que, no rabo, não bastava só um dedo.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

ALEGRIA NOTURNA

Uma alegria compulsiva
Me impulsiona ao caminhar à noite
No meio de uma rua quase deserta.
Uma alegria que é, na realidade,
Um riso em potencial
Que flerta em alguns momentos
Com uma gargalhada
Às raias da loucura,
Gargalhada também em potencial.
A alegria desta potência
Não tem justificativa,
E talvez nem Dioniso a compreenda.
Mas assumo que esta alegria,
Este riso e gargalhada
Com suas vontades de potência
Dançam ao redor de um espaço vazio
De minha experiência interior.
O espaço vazio de uma ausência de deuses,
Ausência que presencia o sagrado,
E que se comunica com a morte
Em sua mudez de vazio.
O calafrio da morte, a paz sagrada,
O calafrio sagrado, a paz mortal.
Por isto rio e gargalho em potencial.
Mas não consigo, e talvez nem queira, justificar.

Um cão com o focinho necrosado
Expõe uma mutilação genital
Como um angustiante troféu de sobrevivência.
Lambe a mutilação, cheira, esfrega.
Alguns jovens com camisetas de marca
Sonham esfolá-lo,
Mas a presença policial próxima encarcera o sonho.
O cão baba mais uma vitória.
Quem sabe um dia seja decapitado, mas não hoje.
É assim que segue, como dependentes químicos
Ou ninfômanos: um dia após o outro.
Os bernes também ficam mais felizes
Na perna manca sem pelo.
Antes sem pelo que sem pele,
E assim impele seus próximos passos.
Devora o lixo com voracidade
Porque a noite promete exigir fôlego.
O cão adentra um ambiente frondoso
No interior da praça.
Temo persegui-lo,
Pois há tempo temo (confesso) que algum animal
Me mire e diga: “Chaos reigns”. 

A CONTA


A menina de dez anos
Conversa com a outra menina
Também de dez anos.
Dez anos é o que consta
Na rede social:
Dez anos é o que conta.
Dez ânus já foram nesta conta
Enquanto adula e aduba
O próximo ao dizer que meninas
De dez anos devem de vez em quando
Se encontrar.
Provavelmente daqui a um mês
Onze anos é o que constará.

terça-feira, 14 de maio de 2013

PÓS-TUDO


Desculpe pôr tudo.
Da próxima vez tomo mais cuidado.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

CHILDREN OF THE CORN


É tempo de colheita.
Colher o que de qual empreita?
Colher o fruto, colher o dia?
Nenhum Horácio flui como seiva
Nesta flor do Lácio.
E Orfeu? Órfão de Eurídice
Permanece cantando algo
No momento em que eu nada disse?
E se Orfeu for este órfão
Pedindo esmola amolando
Sua voz aguda no canto da calçada?
Esta questão é de minha alçada?
Nenhuma voz alcançada cede à lira
Uma esmola de verso
A não ser este e talvez não seja isto pouco,
Ainda que se confunda com a buzina.
Que seja o que resta no resto
Enquanto repasto que contenha alguma pasta
Nutritiva caindo dos caminhões de lixo
Que atravessam as cidades do mundo.
Talvez aquele órfão lamba esta pasta.
E o que pode acontecer?
Ninguém sabe.
Ele pode viver, pode morrer.
Penso em poesia e em políticas públicas agora.
Há algo mais para se pensar?
(Qual o aspecto de Perséfone?).
Toda colheita é maldita.
Mas colher o quê?
Que poder terrível sobreviverá o milharal?   

domingo, 12 de maio de 2013

Uma mulher passou e ajustou o sol com a mão como se fosse a lâmpada de um holofote. Ajustou de onde estava mesmo, no meio da calçada, sem esforço.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

CLARICE


Se a hora da minha estrela
Ansiosa pelo seu coração selvagem pela distância
Pudesse, lúcida e não lúcia,
Descer cadente ao passado no presente
Do desejo não mendaz de passar
Rente aos campos não frutuosos do desejo seu,
Eu, ateu que também escrevesse deus
Com minúscula, mostraria que a água viva
De nenhuma clepsidra pode fazer passar
A lembrança fixa do que é vago e vaga:
O mesmo desejo, legião estrangeira.

sábado, 4 de maio de 2013

PRAÇA


Há um espírito das praças.
Fauno das pequenas floras, das domesticadas floras
E famílias compartilhando filhos e fofocas.
As crianças brincam com o espírito das praças.
Correm ao seu encalço.
De dia é esta familiarização
De uma numinosidade um pouco mais cara
Àqueles que, à noite, se comunicam
No interior do espaço vazio da multidão,
Da pequena multidão.
O ambiente fosfóreo propicia e repercute
Uma dimensão de abertura
Onde se suspeita onde tanto o escuro conflui,
Onde tangencia e enlesma
Sem mácula tangível sua pressurosa espessura
Como uma só própria carnadura
Com a luz, com a luz da lâmpada,
A luz cristalizada do talher,
A luz mais fosca da xícara, luz fóssil.
Um homem come uma porção de grãos,
Um skater machuca o asfalto,
Um casal observa a piriguete rebolar
E o pretensioso perigo do seu olhar.
O espírito está feliz, acolhe todos,
Assalta todos com a sensação de estar em algum lugar.
Alguns sentem, outros melhor compreendem sentindo.
O poeta, já preguiçoso mas ainda poeta,
Enceta ver a estrela na xícara,
O olho de uma mulher no céu
(Mulher sentada em um banco)
E cria a partir desta relação um triângulo dinâmico
De rara iluminação
Com a qual passará uma parte da noite.
O comerciante pensa que viu jóia.
O maconheiro da praça já não vendo o triângulo
Até gosta; o espírito também o alicia
E após com ele se delicia no ritual
De uma santidade nóia. 

quinta-feira, 2 de maio de 2013

UMA METÁFORA FORA


Uma metáfora carmina sua boca.
Uma metáfora...
Pois sua boca se impressionou,
Ficou com a impressão de algo além dela nela.
Mas a metáfora só está na boca
E prejudicou a organicidade
Do todo simbólico que deveria ser seu corpo.
Metáfora deslocada,
De onde sua extra espessura?
Metáfora rosada, para camaleonizar a boca,
Esconder seu deslocamento.
Mas eu a percebo, e como camaleão
Lanço minha língua, que não a sorve.
Ela morde a boca, sangra os lábios,
E nada a demove:
Deslocada que não se desloca.
Vamos dormir...
Quem sabe amanhã, se tudo der certo,
Ela perde a espessura,
Como herpes tratado...
Carminada boca, já burana.

quarta-feira, 1 de maio de 2013


Há uma ciranda
Onde as crianças vem a ele.
Veem a ele como uma girândola
De verbos onde se fia
Uma teia de luz
Na qual se confia.
Girando ao redor
Só a sombra que dissipa
A luz.
A sombra também recende fé.
O que a criança
Adentrando a sombra
Encontra
Talvez pudesse não ser
Ínferas nostalgias
Nem feéricas promessas
Com terminações nervosas
Latejando nas batinas.
Confundisse talvez a sombra
Com uma luz que dissipa
A luz como uma sombra
E se encontrasse
Uma espécie menos obscura
De verdade.