É muito difícil de encontrar a mulher de
três seios. Às vezes, deixa pela casa potinhos de fezes duras e amarronzadas. Quando saio da jaula, persigo. Sua
origem se confunde com a condição anômala. Só posso amá-la, ou amá-la antes de
compreendê-la. Na realidade, não posso compreendê-la. Gosta de fazer o
quarto-prisão da jaula aludir ao imaginário de Chernobyl. Gosto. Vazio,
arruinado, com bonecas sexuais defeituosas. Relaciona-se com algumas. Há uma
predileta que amamenta junto comigo. Também tenho de amar essa boneca. O corpo
humano é obsoleto, a não ser quando anatomicamente desestabilizado ou sintético.
Não sei o que será de meu corpo. Tem de ser humilhado, punido, o velho corpo,
como a velha korpa. O seio do meio é desequilibrado, intruso perfeitamente
anômalo em um corpo imperfeitamente equilibrado. Senti que eu poderia sugerir,
com gestos, comê-lo junto com a dona, mas a boneca amada mandou calar qualquer
indicação que pudesse caracterizar uma dádiva. Comer um seio anômalo só poderia
ser uma dádiva. Nunca serei um monstro. Já tenho de agradecer a amamentação.
Minha função no seio da existência é adorar, sofrer e depois morrer. Talvez eu
seja comido como escárnio, pela mulher de três seios e pela boneca. Talvez por
todas as bonecas. Como música de fundo, a da deep web. Filmarão? Venderão? É
provável que não. Ser comido na deep web não é escárnio, deve ser também alguma
espécie de dádiva, segundo a boneca, e não receberei nenhuma dádiva post-mortem.
sábado, 13 de fevereiro de 2021
PÓS-CORPO
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021
BARCA
Tudo
o que ela tocou, olhou
Foi
esterilizado pela noite, pela lua.
Acima a lájea fria,
Embaixo
a luz dura.
Crueza
do processo, como salvação,
Rendição,
alguma enebulada cura.
Se
do obumbrado ombro de deus
Fluiu algum frio sombrio de sepultura
É
porque ela passou, tocou, olhou
As
plantas, as águas, as pedras,
Braceletes,
colares, cabelos.
O
silêncio nos cílios pesa pouco.
Dessa vez sonolesce
Enquanto escurece.
As plantas respiram profundamente,
As
águas manam seus fios
Junto
aos cabelos úmidos,
E
os braceletes e colares de ambos
Se
misturam, voluteiam
E
se enlaçam nas pedras.
O
silêncio dos cilícios,
Só
o som das águas
E
da respiração profunda dela,
Enfunada
pela noite:
Embarcação
do sonho.
Assinar:
Postagens (Atom)