segunda-feira, 21 de março de 2011

A PAIXÃO DE CRISTO (VERSÃO PORN FREAK SHOW)

Esse sketch é um thêatre du fauteuil ou deve ser encenado em algum evento underground durante o período da Semana Santa, se existirem estúpidos o suficiente.

Dois focos de luz atingem as extremidades da direita e da esquerda do palco. Dois atores em suicide suspension arrancam, mastigam e engolem fragmentos de páginas da Bíblia. Os focos se suspendem e permanece a escuridão por alguns minutos. Cai o pano. Ergue-se o pano e novo foco atinge o centro do palco, onde é revelado um padre recebendo sexo oral de duas freiras. Ambas estão ajoelhadas com os rostos de frente um para o outro, postura de oração e tremelicando a língua na glande do padre, que geme palavras desconexas em latim. Esta “apresentação” tem de ser de uma afetação libertina terrível. O foco é suspenso por alguns segundos. Um novo foco atinge novamente o centro. José penetra analmente Maria, que se mantém de quatro. Os dois gemem. Um foco de luz mais ao fundo do palco revela um ator em angel suspension: é Gabriel Arcanjo. Outros atores retiram Gabriel Arcanjo da suspension; este chuta José e violenta vaginalmente Maria. José chora enquanto Maria grita. Após o coito, Anjo Gabriel anuncia.

Gabriel Arcanjo – Tenho novas. Vocês terão um filho. Foi Deus quem afirmou. Não tema, vadia. Ninguém ficará sabendo como foi.

O foco é suspenso. Cai o pano. Ergue-se o pano e o palco se ilumina por completo a partir deste momento, revelando a última ceia. Jesus Cristo está com cabelos e barba bem sujos.

Jesus Cristo – Este cálice é a nova aliança em meu sangue. (Bebe e cospe nos discípulos). Com certeza algum filho da puta me irá trair! (Derruba a mesa e sai gargalhando).

Cai o pano. Ergue-se o pano. Jesus no monte das Oliveiras, ainda bebendo e cambaleando, é seguido pelos discípulos.

Jesus Cristo – Ah, se não fosse este cálice...

Um ator em angel suspension (um anjo) se encontra mais ao fundo do palco. Jesus o percebe e joga o cálice em sua cabeça. Então também percebe que seus discípulos irão se deitar e os chuta para não adormecerem.

Jesus Cristo – Vagabundos. (Rodopia gargalhando).

Uma multidão surge, com Judas à frente, que beija Jesus.

Judas – Smack!...
Jesus Cristo – Sabia que era você o filho da puta!

Jesus é levado pela multidão, enquanto os discípulos debandam. Cai o pano. Ergue-se o pano e uma fogueira crepita no meio do palco. Pedro está sentado junto a um conglomerado. Uma criada o observa atentamente.

Criada – Este homem também estava com ele!
Pedro – Nem o conheço, caralho!...
Homem – Você é um deles!
Pedro – Puta que o pariu! Já disse que não!
Outro homem – Você também é galileu!
Pedro – Porra... Não sou. Já neguei três vezes. Não é o suficiente?

Jesus aparece com a multidão, olha para Pedro, gesticulando com os dedos: o polegar representa uma vez, o indicador duas vezes, terminando com o gesto obsceno do médio, que também representa três vezes. Jesus é levado até o Conselho.

Caifás – Você é o Cristo?
Jesus Cristo – Pode apostar que sim! (Faz pose para uma possível fotografia? Nisto, a multidão o agride com bofetadas).

Cai o pano. Ergue-se o pano. Pilatos está esfregando as mãos em uma bacia repleta de miúdos de animais. A multidão chega com Jesus, alvoroçando e gritando muito alto.

Multidão – Não paga imposto, se diz Messias e Rei.
Pilatos – Você é o rei dos judeus?
Jesus Cristo – Pode apostar que sim! (Faz pose para uma possível fotografia?).

Pilatos observa a multidão sombreado de estranhamento e dúvida.

Pilatos – Então vão se entender com Herodes. (Esfrega as mãos na bacia de miúdos).

Cai o pano. Ergue-se o pano. Jesus está diante de Herodes, acusado pela multidão.

Herodes – Não fará nenhum milagre?
Jesus - ... (Gargalha, enquanto deixa seu pênis endurecer).

Herodes ri e o envia de volta a Pilatos. Cai o pano. Ergue-se o pano. O ator que interpreta Jesus é vítima de um spanking. Jesus é vestido com um manto púrpura. Cai o pano. Ergue-se o pano. Jesus está novamente diante de Pilatos e ao lado de Barrabás.

Pilatos – Eis o homem! Eu solto Jesus?...
Multidão – Solte Barrabás! Morte para Jesus!

Pilatos esfrega a mão na bacia de miúdos. Cai o pano. Ergue-se o pano. Jesus e Simão de Cirene andam como cães segurando ganchos de metal na boca. Uma multidão os segue e um grupo de tiétes grita, desespera-se, chora e desmaia. Chegam no Gólgota e o ator que interpreta Jesus é suspenso ao modo da crucifix suspension, juntamente com dois outros atores que interpretam ladrões, representando a crucificação. Jesus vocifera.

Jesus Cristo – Pai, vá para o Inferno!
Multidão - ... (Gargalha).

Uma tiéte rompe a barreira dos legionários e tenta fazer sexo oral em Jesus, já agonizando. Os legionários prestos a agarram e a jogam de volta à multidão. Jesus expira. Cai o pano. Ergue-se o pano. José de Arimatéia conversa com Pilatos.

José de Arimatéia – Assim posto, o senhor permite?
Pilatos – Sim. Estou de acordo.

Cai o pano. Ergue-se o pano. José de Arimatéia está carregando cuidadosa e sorrateiramente o corpo de Jesus através dos meandros perfumados de um jardim. Ele viola analmente o corpo e o joga em um sepulcro escavado em uma rocha para apodrecer... eternamente. Cai o pano, todo sujo de miúdos. Ergue-se o pano e o ator que interpreta Judas está em suicide suspension, representando suicídio por enforcamento. Cai o pano definitivamente.

segunda-feira, 14 de março de 2011

POESIA E CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

As questões ambientais são prementes na atualidade, haja vista as discussões e acordos de âmbito internacional que objetivam metas de redução na emissão de gases-estufa na atmosfera e a criação de formas de desenvolvimento sustentável; sem omitir o importante papel das Organizações não-Governamentais (ONGs) que têm eclodido assim que os problemas ambientais começaram a recrudescer.

Como creio que toda obra de arte está comprometida, de um modo ou de outro, ainda que o mais complexo, com o contexto histórico-social onde ela se forma (ainda que seja para negá-lo), penso na maneira mais artisticamente digna e eficaz da poesia abraçar em sua formação a consciência ambiental. “Conceitos sociais não devem ser trazidos de fora às formações líricas, mas ser hauridos da rigorosa intuição delas mesmas.” (ADORNO, 1980, p. 194). É neste sentido que penso a expressão “maneira mais artisticamente digna e eficaz” da poesia se comprometer com o contexto histórico-social.

Assim posto, lembro que os ambientalistas muito simpatizam com o pensamento rousseauísta. Pertinente, afinal o promeneur solitaire alimentou uma visão benéfica da natureza ao teorizar sobre cultura e sociedade. Só não sei se não seria muito ledo conservar no imaginário a imagem de um bon sauvage no interior de uma sociedade tecnocrata que não permite mais nenhum retorno genuíno às condições de vivência físico-emocionais mais próximas ao natural. Todavia, o desenvolvimento e a realização através de procedimentos estéticos da consciência de um sentimento de ligação íntima, de uma disposição afetiva especial entre o eu e o não-eu, isto é, a exterioridade, a natureza, é uma das maiores heranças rousseauístas adotadas pelos períodos de modernidade. É preciso resgatar Rousseau neste sentido, exercitar esta realização em direção à esta consciência ambiental contemporânea que vivenciamos. E insisto em frisar que penso não em uma obra de arte guiada por conceitos raptados, transportados à revelia, mas antes em uma obra de arte que, de modo legitimamente artístico, permita intuir elementos culturais atuais de seus procedimentos específicos, quais sejam aqueles que mais intimamente descobrem o “ser” da poesia – aqueles que relacionam de modo visceral elementos que culturalmente, tradicionalmente, estão em situação de oposição. Destarte, a maneira mais artisticamente digna e eficaz da poesia abraçar em sua formação a consciência ambiental é resgatar, no interior dos procedimentos poéticos mais específicos, aquela disposição afetiva especial primeiramente desenvolvida por Rousseau, e agora direcionada contemporaneamente. Óbvio que, para isto, a consciência vigilante, a substancialidade do cogito, a experiência do principium individuationes não pode ser anulada ou incapacitada. Ao contrário. É no rigor da consciência vigilante que essa disposição afetiva se atualiza. E desta forma a poesia assume seu modo específico de resistir às direções prejudiciais do progresso insustentável e acumula mais provas de que a resistência da poesia é uma possibilidade histórica.