segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A CIDADE ORGÂNICA

Presto a atenção e legitimo sensações (nem todas) desagradáveis:
Minhas entranhas tentam brincar de bondage,
Uma convulsão úmida e bífida morde minha língua...
Há sombras estranhas também em seus olhos,
Como as de uma cidade que conheci somente na imaginação
(Ou em fotografias misteriosas).
Por mais iluminados que sejam os cabelos,
Haverá sombras nos muros por eles despejadas.
Meu intestino tenta me estrangular
Após ser extraído em uma tortura indiana.
Talvez as entranhas não sejam minhas,
Talvez sejam da própria cidade drapejada;
Ou então a cidade já seja orgânica a ponto de ser seus olhos,
E quando digo seus talvez sejam os meus, os dela ou os seus.
Há algo amoroso e falso nos olhos:
Há, em suma, sombra, um sombreado.
A cidade urina na água da chuva, embebe cães,
Bebe bêbedos e os olhos permanecem vagando
Vegetabundos, meio melancólicos, meio sorridentes,
Nas ruas (luzes não descolorem sua sombra);
Ou então fingindo espreitar por janelas de casas já mudas.
A noite me fez tão mal a ponto de eu desejar o dia,
O tão triste dia, tão esclarecido
Quanto um amor que, deixando de ser noturno, desapareceu. 

sábado, 21 de dezembro de 2013

Fui de uma família de lobos.
Não fui somente criado por eles,
Mas fui de uma família deles.
Tive de devorar alimento ambulante.
Tive de lutar por território,
Enfrentar gente de bando oposto
E inimigos maiores.
Fui o lobo que logo pude.
Tentei devorar a lua como lobo primordial,
Mas mordi o ângulo errado.
Errei, não tive ajuda nisto:
Hoje não mais se tem.
Mas hoje não é hoje, é sempre.
Fui de uma família de lobos, sempre...
Minha matilha não mais me protege,
Apesar de eu ouvir seus passos
Em becos mais escuros.
A lua, que eu tentei devorar,
Hoje me protege deles.
E hoje é sempre... 
Toco o dragão em suas costas.
Uma sensação de fogo labareda
Em seu corpo e em minha mão:
Afago de fogo acariciando uma pira.
O dragão voa, encontra um horizonte
Em seu corpo, um horizonte
Próximo do ombro, que se aprofunda.
O dragão é um ciclo em seu corpo,
Seu corpo metamórfico
De mulher dragão aprofundado
Por horizontes insuspeitos.
O dragão, quando mais se revela,
Assume um autorrelevo
E se autorreleva como uma body art
Querendo fugir da mera estética;
Ou então é você querendo emancipar
Permanentemente o dragão,
Permanentemente o fogo voador,
Como se o sol fosse uma espécie de cometa
Fugindo para o infinito cósmico
Com a horda de planetas
O perseguindo não ordeira,
Sem nenhuma simetria de movimentos...
O infinito ainda será seu corpo.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A DITADURA DA LUZ

Um raio de sol
Me atingiu de soslaio,
Rápido como um raio.
Tingiu um lado
Da minha sombra
Com um tom ainda pueril,
Frêmito febril de cor
Querendo corar
Minha silhueta decorada
Pelos meus breves passos.
Logo nada mais
Sobrará da sombra.
Sobressairá a luz, a cor,
Como corda da vida,
Como quem acorda para a vida. 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Sedado pela seda da sombra,
Os olhos semicerrados, o corpo selado, fechado,
A seda avança como serpente que dança,
Farfalha rebaudelante, brilha um reflexo
Do céu estrelado, escuro, selado, fechado:
Promove um pequeno delírio hiperestésico
De antigo brocado que a gente desesseintes
Como antes conselho de ainda mais sono
Do que de qualquer esforço de criação poética.

QUASE QUASE

Ele quase “foi alguém”.
Ao menos também quase não foi algo,
Ou então pensou em não ser algo,
E pensar em não ser algo
Talvez já seja um passo
Para ao menos tentar não sê-lo,
Para tentar não ser selo.
Ele quase “venceu”.
Ao menos também quase não foi vencido
Por algum suposto prazo de validade.
Ele quase descobriu algo.
Ele quase percebeu
Que é possível perceber algo
Que é possível chamar de realidade.
Ele quase fez sexo a três
E quase se casou.
Também quase amou
E quase viajou por paragens
Quase nunca antes perscrutadas.
Ele quase viveu
A possibilidade de ser quase;
E assim vivenciou algo
Que quase pôde revelar
Como uma parcela da verdade.

sábado, 14 de dezembro de 2013

LEGADO

Tão logo descarte Descartes
Já percebe dessarte
Que deslogou a verdade
De que toda experiência
Passa pela consciência,
E que deslocando
Esta mentalidade
(Como pensa até Sartre)
O que fez foi
Encontrar a linguagem
Dessa arte:
O poema,
Que é experiência
E consciência,
E nunca descartou Descartes,
Só o legou
Com o lúdico legado
Do Lego que logo sou.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Gostaria de um dia ser (e digo isto porque é cômodo porque sou homem e provavelmente nunca acontecerá nunca acontecerá de verdade um dia entrei em um chat sadomasoquista e algumas umas duas ou três delas disseram que foram e gostaram e gostam mas é muito minoria nenhuma nunca tem culpa ter cu não é ter culpa nem ter buceta é ter culpa só na Bíblia que é culpada de muita coisa mas também não tem culpa de tudo o pau do homem tem mais culpa que a Bíblia que também tem pau nem mostrar a buceta e o cu é ter culpa nem deixar filmar a buceta e o cu é ter culpa filmar hoje é com o cu na mão é preciso acabar com a violência interminável com esta violência mas eu ainda gostaria de um dia ser porque para mim homem é cômodo ser eu gosto mas é fácil gostar porque sou homem e mesmo quando acontece é difícil acontecer na realidade a realidade é o que acontece com elas todas elas) violentado por você... meu amor.

domingo, 8 de dezembro de 2013

FANTASIA

Só falo o que calo:
Chupar um calo da Frida Kahlo
E encontrar uma frieira
Com cor fria, frígida
(E não colorida como Frida)
Para a minha fantasia –
Tanto broxa quanto pincel ralo,
A poesia rígida,
Mas a moleza do falo.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Seu rosto após um banho
Sofre mutações pelo vidro mínimo
Dos folículos aquáticos,
Signos em rotação se refrescando,
Refletindo um império concentrado,
Um jardim todo florido
Lançado de um lado,
Um sol combusto chicoteado pelos cabelos
Caindo derretido e fervendo no busto,
Pérolas cristalinas se colarizando,
Se avermelhando como o céu sangrado:
Seu rosto em sangue
Esbanjado em purificador
Slow motion após o suor,
Após o cum shower,
Após um dia de trabalho
Ou um dia de descanso manso...
A toalha áspera
Enxuga as metamorfoses.