quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

SONO

Uma santidade clinômana
Sopra em meu ouvido dôrmito,
Dorido de frio, ferido
Pelo fio desta lâmina.
Como se eu fosse Imperador,
Sopra em meu ouvido,
Suave, aconselhando
Minha vontade magnânima.
O pensamento amolece, é lama.
Há todo um universo na horizontal.
Horizontal é a melhor posição
Para se observar o céu.


SEM TÍTULO (UM CÃO DEFORMADO ME ACENA.)

Um cão deformado me acena.
Ao invés de uma poética cerebrina,
Me late uma poética cerberina.
Quer que eu transfigure a cidade
Através da fosforescência do mal.
Mas moro no interior.
Mesmo assim a poesia está na rua:
Às vezes cheira ipê em uma praça,
Outras vezes, pastel de feira.
O cão deformado não é Cérbero
Nem o Demônio,
Pois hoje não atualizarei nenhum mito.
Também não haverá praia,
Como deseja Paulo Henriques Britto.
O que haverá é um banco
Em uma praça com ipê,
E um pastel, quase tão amarelo
Quanto o ipê, na minha mão. 

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

SEM TÍTULO (EVOLA DE REPENTE)

Evola de repente
Um odor provinciano,
De mato, de alguma planta.
Evola após a chuva
E evoluiu ora doce, ora acre.
Um gato, na rua,
Enovela o odor,
Com ele se cobre e se aquece.
Um cão passa,
Vê tudo e nada faz.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

SEIO MATUTINO

Saliva espessa
Expõe o horizonte
(Sua boca?).
Como fada,
Sua língua fala
Uma língua
Pouco falada,
Fadada à extinção.
Quando imagino
A extinção em sua boca,
Um irônico prolapso canta,
Um pouco sujo,
A luz da manhã,
Que, ausente de uma perna,
Mais vagarosa ilumina.
Mas a luz suja
É vigorosa
Como a lâmina de um espelho
E flui como uma subjetividade
Deslocando gêneros.
Um arroio roja esta luz
Como ouro tântalo
Que a esperança
Conseguiu tocar.
Roreja um rumor
De prece
E o seio da Virgem Maria
Amamenta o dia.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

BOCA

Até onde a solubilidade de um sorriso?
A carne espessa, marcante,
De vermelho suave,
Assume uma narrativa própria,
Esvanece, simula uma fruta;
E depois quer morder, furtiva,
A própria metáfora gasta.
O suco da metáfora escorre,
Acidula os lábios
Como uma obsessão algo prazerosa.
Até onde o nomadismo de um nome?
O suco desta boca erótica
É o sonho inoculado na realidade,
Modificando-a como quisera
A visão política de Derrida.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

POEMA DE CIRCUNSTÂNCIA

Ler Lyotard
Ou ficar até tarde
Para ver Lyoto lutar?

CONVITE

A rota de seu ânus
Já tão rota,
Bonnie Rotten,
Beleza tatuada,
Roxa, sufocada,
Exausta pela tara
Que seu desejo ara.
Bonnie Rotten,
Bonnie Rotten,
Que tal tentar
Um anal fisting
Ao som
De Rotting Christ?

domingo, 7 de dezembro de 2014

SEM TÍTULO (O SONHO LENTO DE UM BICHO PREGUIÇA)

O sonho lento de um bicho preguiça
Passa em câmera lenta na imaginação
Dos meus olhos quando o vejo dormir
Na imaginação do meu próprio sonho.
Seu sonho são árvores caindo lentamente,
Balé da destruição que a estética do sonho
Alicia no pulso da estética maior
Da imaginação do fim do mundo.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

SEM TÍTULO (O SORRISO DE UMA LAGARTIXA)

O sorriso de uma lagartixa
Da Chapada Diamantina
Soçobrou sua boca
Com o rabo de uma malícia escura.
O rabo se solidarizou
Com seus olhos ao atingi-los:
Olhos negros, ora cinza, ora aço.
O asco de uma palavra de amor
No momento errado
Não regurgitou do lábio mascarado.
Masca o chiclete,
Com a própria língua
Perfura a bola:
A lagartixa foge
Com um sorriso adocicado.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

FEMINISTA RELENDO QUINTANA

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles não passarão!
Eu passarinho!

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

NO LIMITE

No limite, há a porta.
Portas sempre são o limite.
Elas se abrem, se fecham.
São a transição,
A passagem, o obstáculo.
Você pode derrubar um muro,
Destruir todos os muros,
Mas a porta é indestrutível.
Portas são sempre o limite,
E com elas é preciso ter tato.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

PRENÚNCIO

Ri o rio:
Ri da rima
Que já sabe
Que criarei
Para rimar
Com,
De suas águas,
O alegre cicio.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

CAMINHOS

Ao ler
TAO VEZ
(Arnaldo Antunes),
Já tão tomado
De incerteza,
Pensei
Que talvez
Fosse de bom tom
Dizer
Que fosse
Do Tao a vez,
Ou então talvez
Só tenha
Interpretado mal
O poema,
Mais uma vez.


quarta-feira, 29 de outubro de 2014

SEM TÍTULO (GRÁVIDA DE UMA ESPÉCIE DE DEUS,)

Grávida de uma espécie de deus,
Ela abocanha a luz bailarina
Com a alga de sua mão.
Com nítida sensação de paz
- Paz úmida, com toque salirófilo -
Seus olhos nadam no céu,
Enquanto de seu ventre aflora
Túmida esperança em carne:
Nadar no céu, voar na terra. 

SEM TÍTULO (UMA JAPONESA)

Uma japonesa
Cuidando de bonsai:
A beleza.

domingo, 19 de outubro de 2014

SEM TÍTULO (A PALAVRA)

A palavra
Adquire substância.
Gesticula e gestua.
Adquire sentidos
E os desregra todos.

JUVENTUDE MARXISTA

Luta de classes.
A diretora as conciliava.
No dia seguinte,
A luta continuava.

sábado, 18 de outubro de 2014

SEM TÍTULO (FLORES DE FOGO)

Flores de fogo
Desenham um rosto
Que se transforma em seu rosto
Queimando as trevas.
Um toque de fécula
Feminiza o vento.
Uma labareda
Que canicula um arabesco
No escuro
Às vezes é só um desejo
Que calcula
Sua intensidade
No entrevamento
Do coração da cidade.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

SEM TÍTULO (ME FANTASIO NO POEMA)

Me fantasio no poema
Místico-erótico
San Juan de la Cruz
Fantasiando com Maria.
Dom Diniz
Também em fantasia,
Cantigo o amor
Para alguma atriz pornô
Que assuma o posto
De rainha.
O poema se fantasia
De poema para abraçar
A minha fantasia.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

HELIANTO

Um crisântemo em crise:
Espanto em riste
Perante o sol atuando
Como um helianto gigante.
Uma sombra triste
Por ser sombra
Sem luz que a assombre.
A flórea sensação lá fora,
Que a luz do sol aflora:
Sua atuação
Viceja interativa,
Não obstante distante.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

VIDÊNCIA

No sepulcro dos olhos,
Viu Édipo, horrendo e pulcro
Em sua própria tragédia,
O poema da psique
Se construindo como legado
De toda geração humana?

terça-feira, 30 de setembro de 2014

HÚBRIDO

A muito custo
É que se escapa
Do leito de Procrusto.
É preciso até
Destemer nêmesis,
Até amar a hybris,
Até amar Até
Para não admirar
O crepúsculo
Com sofrósino escrúpulo,
Que o dulçor da doxa
Não permite
Nem a violenta,
Paradoxa união,
A todo custo,
De todas as gradações
De vermelho
No músculo
Da palavra rúbrida.


SEM TÍTULO (DEIFORMADO PELO MITO)

Deiformado pelo mito
Que logo somos,
Antes e através do logos,
Vejo uma deformidade
De beleza no mundo
E no abismo mais profundo
Até da mais
Aparente aparição
Da linguagem.
Sinto em mim a deformação.
Sonho o mito vivo
Na força de toda imagem.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

LOGO ALI

Para Marcuse,
O que uso me usa
- Como usar
A tecnologia
Só para o bom uso,
Para que Deguy
Não mais diga
Da antropomorfose,
Ou Agamben também
Mais não diga
Da vida
Que disponho
E deposito
Logo ali
No dispositivo?

sábado, 20 de setembro de 2014

VIOLÊNCIA

Com o ódio de um masculinista,
O sol ferveu a pele da mulher
A pé, com uma filha no colo
E com saco de compras na mão.
Chega em casa quase chorando.
Faz a filha dormir,
Guarda os alimentos escassos.
O marido havia saído
E não mais voltado.
Ela também adormece, exausta
Há muito tempo.
Desperta e é início da noite.
Sai de casa para falar
Com a branda lua
Sobre a violência do sol. 

POEMA COMOVIDO

Boa poesia.
Bom filme.
Boa música.
Salgado Maranhão
Declamando Mater.
Outro planeta
Atingindo a Terra
Em Lars von Trier.
Caetano cantando
“Você é Linda”.
Uma lembrança amada
Colhida de um odor
No meio de um dia
Ou em uma visão fugidia.
Boa luta.
Jon Jones contra Gustafsson.
Despertar e se sentir em casa
Mesmo sendo o estrangeiro. 

O CÃO

Um cão anda na luz.
Fareja um paraíso perdido
Em algum beco
Que ninguém viu.
Ele quer uma cadela
Para ter um filhote
Que traga paz
Aos homens.
Quer que a cadela
Tenha o filhote
Nas escadas
De uma igreja. 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A sífilis noturna
Aquece a ventania.
Assombra a jovem solitária,
Assim como a solidão
Assombra a solitária
Dentro da jovem
Dentro da noite doente.
Mas no mais íntimo do escuro,
Só a solidão está só.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

DESATIVAR

A violência do cotidiano,
Da mídia, do Estado
E de seu aparelho repressor,
Da existência, do amor,
Da Revolução, da reação,
Que toda violência se contemple
Por um momento
Na violência do poema
E se desative
Na gestualidade
Absoluta e integral
Da escritura. 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

PROMESSA

Pressinto uma histeria coletiva.
Tenho medo de rir, medo de dançar.
Não contem piadas, não toquem flauta.
Tenho medo de ter muito medo
E sair correndo, em pânico.
Não corram, tenham medo controlado.
Prometo que, por minha vez, não correrei...
E prometer me dá medo.

sábado, 6 de setembro de 2014

POEMA SEM SONO

Por um momento a vi
Não como sombra
Ou como luz fatal.
A vi como mulher,
Uma mulher normal.
O erótico animal que logo sou
Não soube como se portar,
O que dizer.
O poema não houve
Ou quase não quis haver.
A mística dominatrix,
A musa bizarra
Acordou de seu sono.
Por um momento,
Satã deixou de existir,
Assim como Deus.
Mulher, terei de vê-la
A partir de agora
Sem mais nenhum artifício,
Estereótipo ou mistificação?
O poema é sono.
O poema não acorda.
E se acordasse, então?
E se já desperto,
A vendo como a mulher que logo é,
E assim compondo os versos
Sem mais ilusão?
E se o poema estivesse já
Dispersando a sombra
E fugindo à fatalidade da luz,
Fazendo com que você apareça
Como sempre foi:
Uma mulher, sem maiúscula,
Sem a fagulha da divindade
E sem a marca da perdição? 

CANTO ABSOLUTO

Pássaro mutante,
Ilumina moldando o dia
Que nasce em sua boca solar.
O dia é uma construção
De sua boca e de seu voo.
Múltiplo pássaro quente,
Está em suas penas
De luz a sensação
Rediviva de despertar.

OBRA DE DEUS

- O que fez hoje, filha?
- Ops! Dei.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

SENTIDO

Uma mulher nua escrevendo na outra.
Uma sarda sardônica alaranjando
Um sorriso rubro.
Um trejeito gótico tangenciando
A coluna da esquina escura.
Um canto de pássaro passando
No vento do cabelo.
O sentido geral tentando ser retomado.
O sentido geral não existe.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

REVOLUCIONÁRIO

Odeio tanto a burguesia
Que, ao olhar para o espelho,
Lhe desfiro um soco.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

CASUAL

Octavio Paz disse
Que escreveu trecho
De “Blanco
Em pleno ato sexual.
Os surrealistas
Experimentavam
Escrever poesia
Após estafa sexual.
Que este poema
Seja, então,
Uma espécie
De sexo casual.