terça-feira, 23 de maio de 2017

SEM TÍTULO (O CEDRO DO CORPO TE OFEREÇO,)

O cedro do corpo te ofereço,
Já com as marcas da extinção.
O sacré coeur, o sacrifício.
As nuvens dos olhos
Que miram as nuvens.
Às vezes nos deparamos,
Escondida nos bosques,
Com as fezes de Deus, producente,
Como os próprios bosques.
A produção te ofereço,
Mas também seus vazios,
Mais os vazios,
A natureza desviante.
Um trisal de pássaros
Produz música.
Seus olhos, em pleno dia,
São como cristal.
Mas sua música
É imitação de pios
De outros pássaros,
E outros, cada vez outros,
E de si mesmos, os três.
Assustadoramente, a música
É um simulacro de pios
Que produz cada vez
Mais simulacros, sem origens,
Como se fossem vazios.

terça-feira, 16 de maio de 2017

DESORGANIZADO

Os órgãos fogem do corpo.
Antes deslocados, desencontrados,
Com funções diversas, entrançadas
E desreguladas.
Agora fogem.
Animais selvagens procuram o corpo,
E não os órgãos.
Resvalam no corpo,
Zoneiam suas localidades.
Vegetais crescem,
Se erguendo para o corpo.
Os órgãos fogem acuados
Pela música, pela folhagem
Densa dos sons, pelos rosnados,
Latidos, pela sensação
Real de um crime.
No corpo ora habitam animais,
Uma caótica floresta
E uma seita em que convivem
Misticismo sáfico
E profanação androide.
Uma sábia da seita
Diz que todo ateu
Encontra, no prostíbulo,
Alguma espécie de sagrado.

domingo, 7 de maio de 2017

CORPO EM ATO

O teatro do corpo,
O teatro de seu crescimento,
Das transformações
De sua usina química e psíquica.
O teatro social do corpo,
Sua inscrição no teatro geral
Após o estudo individual,
Que persiste em seu aprimoramento
No quarto de estudo.
O teatro do prazer e da violência
Do corpo, no corpo,
O teatro de suas doenças,
De suas intermináveis transformações;
Até o dia do teatro da agonia do corpo,
De sua decomposição, com novos atores
Secundários e principais,
Em um tablado abaixo da terra,
Mais exíguo; mais exíguo
E, finalmente, universal.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

SOMBRAS

Fontes rumorejam com o húmus.
Pássaros triscam rapidamente
O ar esverdeado pelas folhas.
Uma fantasia que resvala a sombra humana
Percorre em vulto, mas não se realiza.
Todavia as árvores, os pássaros,
As fontes exercitam suas úvulas,
Se avisam, se inocentam.
A cada vulto, se avoluma o medo.
A inocência, porém, nunca existiu:
É o manto verde da natureza,
Sua visão panorâmica, original.
As úvulas que se inocentam
Vibram na sintonia de clítoris
Brilhantes de prazer.
As fontes fecundam com furor
As terras, se afundam como invasoras.
O vento violenta as árvores.
Elas gostam, uivam de dor e prazer,
Como a vibração de todo o resto
Do fundo império.
Nunca se soube tão ao certo
O que é sombra humana
E o que não é.