quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

TÓXICA


Ela prometeu o que Prometeu

Conseguiu e o que não conseguiu,

Hýbris sem nêmesis.

Citou Citera e a Citereia

E prometeu a própria Alétheia,

Se desviando do Léthê.

Após, moderna, prometeu, pediu

Um amor polimonstruoso

Estilo Hugh Hefner + Chernobyl.

Quando? Quando?

Mentiu, mentiu.

Sorriu, disse que era tudo poesia

E que eu fosse pra puta que me pariu.

SEM TÍTULO (A GEOGRAFIA DAS ESTRIAS)


A geografia das estrias

Mapeia viagens raiadas, solares,

Bifurcadas como redes neurais

Com seus padrões e linhas de fuga,

Cavando territórios no terrestre da pele,

No que reste de íntimo para ser exposto.

Peregrinação herética de rastros repleta,

Luminosos, profundos, sombra

Que se revela na luz e embaça:

A baça guia que só guia se procurada,

Guia perdida, guia guiada, perdida junto

Com quem a procura.

Tal geografia, sua textura, é teste

De aventura, geografia e história

Que no corpo encarna e reconta

A origem, tão perdida quanto o aventureiro,

O peregrino, a guia, quem a procura.

No estio, a estriagem dói sua luz,

Pusilânime branco, amarelo, rosa pus

Que gradua dos andarilhos

A esperança que cada um pôs.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

O HOMEM NULO: ORIGEM

Passava todo dia

Perto da comic shop

Até chegar à praça

Para se sentar no banco

E permanecer espairecido

Durante trinta minutos.

Após, retornava

Passando pela mesma loja.

Fez o mesmo percurso

Durante dez anos.

Nunca fez nada

De extraordinário.

PARTIDA

Pedaço de seu seio

Em meu estômago.

Trecho de minha pele

Em sua pelugem.

Excerto de seu olho

Em minha boca.

Enxerto de minha orelha

Em seu antebraço.

Nesga de sua vagina

Em meu buço.

Rasgão de minha língua

Em seu ânus.

Gotícula de sua saliva

Em minha lágrima.

Naco de meu cabelo

Em seu púbis.

Película de seu cílio

Em meu dente.

Partes de nossas partes

Em nossas partes,

Até que a partida

Nos desaparte,

Por destino ou capricho,

Contra a vida e a arte.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

SEM TÍTULO (PREENCHEU MEU CORPO)

Preencheu meu corpo

Com hieróglifos menstruais,

Marcas, linguagem

De uma comunicação arcaica

Ainda por ser decidida, criada, lida, falada.

Hieróglifos daqueles simulados,

Como próteses de algum tribalismo

Na imaginação de uma lua escarlatina,

Na noite que pesadelou um feminicídio

Em meu corpo, mas se aqueceu

Na pelagem de um cãozinho sangrento,

Encoleirado, buscando, jocosamente,

Quem decifrasse o indecifrável.

Às vezes ela montava.

Comi ração, pão, um pouco de mato.

Vaguei na noite, aguardando o feitiço,

A dose que a mim caberia, minha vitimização,

Entoei odes à mutilação e ao sacrifício.

Minha pele tatuada de vermelho

Seria exposta na árvore escolhida.

Finalmente, na natureza descansaria.

Mas continuo engatinhando,

Vivendo na tensão e no prazer

Do ritual eterno, que nunca foi,

Nunca é, nunca será.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

POST GHOST

 

Uma diz à outra:

“Você é linda, miga.

Fada sincera,

Fada sensata”.

Reina em sua luz

A quimera da tela,

Fantasma

Que qualquer bruxa

Evoca, contata,

Remida a magia,

Medeia que medeia

Essa era.

Esse fantasma

Se desata e retoma

Os jardins, as florestas,

As ruas, as noites.

Circeia as orlas das noites.

Nelas posta um feitiço.

Ora, oracula um comentário.

Ele alumia,

Diria a voz antiga

Em algum simulacro

Ou podcast perdido.

Alumia, relume,

Em um noturno jogo

De luz e sombra

Como os resquícios

Das tintas

De pintor holandês.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

NOVA HEDONÊ

 

Amanhã deve dar praia.

(Paulo Henriques Britto)

 

Atravessaram a porta de casa,

Inferno, Bojador, Taprobana, Paraíso.

O prazer é perigo de novo.

Bareback, Covid VIP, cream pie da antiga.

Chocado da serpente o ovo,

Interessa qualquer minima moralia,

Ou clichê viperino; mas, se

A máxima persiste de que

O fim do mundo é todo dia,

Findam agora o pai, a mãe, o avô, a tia.