terça-feira, 12 de janeiro de 2021

SEM TÍTULO (PREENCHEU MEU CORPO)

Preencheu meu corpo

Com hieróglifos menstruais,

Marcas, linguagem

De uma comunicação arcaica

Ainda por ser decidida, criada, lida, falada.

Hieróglifos daqueles simulados,

Como próteses de algum tribalismo

Na imaginação de uma lua escarlatina,

Na noite que pesadelou um feminicídio

Em meu corpo, mas se aqueceu

Na pelagem de um cãozinho sangrento,

Encoleirado, buscando, jocosamente,

Quem decifrasse o indecifrável.

Às vezes ela montava.

Comi ração, pão, um pouco de mato.

Vaguei na noite, aguardando o feitiço,

A dose que a mim caberia, minha vitimização,

Entoei odes à mutilação e ao sacrifício.

Minha pele tatuada de vermelho

Seria exposta na árvore escolhida.

Finalmente, na natureza descansaria.

Mas continuo engatinhando,

Vivendo na tensão e no prazer

Do ritual eterno, que nunca foi,

Nunca é, nunca será.

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