segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

CAFÉ

Milhares de esquizos
Procuram seu corpo.
Milhões de fluxos
Aderem a seus olhos
Sem tornar substância.
Múltiplas morfoses
Pinçam suas reentrâncias,
Seus pelos,
Sua máquina antropológica.
Diversas identidades excitam
Sua utopia antropofágica.
Uma obra de arte
- Um poema -
Opera em seu corpo
A textura, o tato, a pele total
De uma sociedade inoperante
- Uso, desuso, novo uso.
Um devir-índio comunga
Com sua fala, com o calor da voz,
Com o ritmo,
Toca no brilho etimológico perdido.
Seus cabelos despenteados
São o espectro
Do niilismo produtivo.
Seus agenciamentos
Estão fora das agências.
Mas seu plano de imanência
Sempre deixa um torrão
De metafísica no café.       

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

SEM TÍTULO (O ODOR DAS MÃOS)

O odor das mãos
Permanece no alimento.
Acabo me alimentando
Do odor de suas mãos.
O alimento – que sobra –
É a sobremesa do seu odor,
E a maciez de seus dedos
Influi na textura
Do que sobrou
E não mais sobra.
Toquei o lenço
Para limpar a boca
E confundi
Com de um de seu dedo
A frágil dobra:
O odor, a maciez.
Encontrei o outro lenço.
Me limpei, mas ainda
Havia a maçã,
Que também confundi
Com sua boca
Que o amor cobra.
Boca e maçã,
Mordi e beijei,
Suculenta e langorosa,
Pois não há análise
Que me impeça
Tal síntese saborosa.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

MANHÃ

Uma estrela
Morreu:
Febre amarela,
Câncer,
Luz artificial.
Amareleceu doente
Todo o vasto
Mar embaciado
Da manhã.
Ele acordou
E desconheceu
Qualquer morte.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

CAMINHOS

De verso em verso,
Verso um modo
De encostar
Nos crísticos bastos cabelos.
De arrostar
A possiblidade
Da água ou do sangue,
Ou então do vinho.
De estriar a plantação rociosa,
A flórea avinhada estufa
De sanguinolentas flores
Da crística cabeça, prístina,
Preste ao espinho,
Prestativa ao caminho da dor.
Minha mão sedenta,
Com sede de seda,
De sedosas paragens,
Sedenta da textura
Do vinho ou do sangue,
Que, de toque em toque,
Estoca séculos
De bênçãos e maldições,
Sedenta, foi pelo percurso
Tocar na mãe
Do filho do homem,
Em seu sangue puro,
Queimando as vendas
De suas fendas,
Explorando suas plantações.
A existência de minhas mãos mudou.
Não se podem mais lavar.
Nunca nelas medrou tanto louvor.
Nunca tanto amor.

  

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

IMAGO

Um pavão alucinado
Assalta suas penugens.
Se exibe, colore o ar.
Sobressalta seus cabelos
Como se espatifasse nuvens
Acima da vastidão do mar.
Faz seus olhos, ocelulares,
Se solidarizarem com o sol.
Sua boca se abre
Como plumas, penas.
Sua língua pavoneia
Palavras que vão tonificando
O vermelho até se tornarem
Cor assignificante.
Que comunicação há?
O sexo, silêncio via discurso
Que se vê como imagético ritmo,
Ritmo de cores,
Cores ritmadas
Que já são você que voa,
Não pavão nem pavoa,
Mas borboletas
Arcoirisadas
Dos casulos da cauda
Que esboroa. 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A FLORISTA

Uma bruxa
Balbucia para suas flores.
Incessantemente,
Como um mantra.
Mantém insetos na manta.
Após silencia,
Rega as flores, as plantas,
As palavras.
Um inseto acaricia
Sua nuca e cabelos.
Ela sorri.
Hoje, o ritual é esse.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

SEM TÍTULO (NOS INTERSTÍCIOS DO POEMA,)

Nos interstícios do poema,
Sua intimidade.
Em sua malha,
A oculta tralha,
Que não pode deixar
De ser tocada.
Mas, ao lado
Da subterrânea mão,
A outra tocando
A superfície.
Pois ronda,
No corpo do poema,
Em suas veias, escamas,
Carapaça,
Ossatura, couraça,
O perigo imo
De se estrangular
No próprio intestino.