quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

SEM TÍTULO (NÃO PODE REFREAR)

Não pode refrear
A noite que cresce
Em seus olhos.
O arbusto.
Não pode podar.
O arbusto da noite
E outro, como outros
Ao redor dela.
Com seus olhos ao redor.
Até que se avolume
Outra noite,
Ainda mais verdadeira.
O derrame, a catarata,
A cegueira.
Que só enxerga
A noite, toda a noite,
A noite inteira.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

LUTADORA

Sem o bloqueio
Do perfume
Em seu corpo,
Perco a luta
Em um
Ground and pound
De beijos. 

terça-feira, 3 de outubro de 2017

SEM TÍTULO (O CABAÇO DO BRAÇO)

O cabaço do braço
Fricciona o hímen do olho.
Úmido, ansioso.
O lacre do ouvido,
O selo da boca,
O rótulo da narina
O dildo do dedo
Não perfura, penetra, invade,
Nem o pênis da cabeça
Consegue, momentâneo,
Uma estratégia
Que os pervada.
A cabeça do pênis se perde
Em uma espécie
De labirinto de pele,
E confunde o natural
Com o artifício:
Se rende a todo agenciamento,
Mas pervaga, perdida.
Não cumpre promessas
De localização e ação.
A boca do ânus se fecha
Em um abraço sufocado.
Não se alimenta?
Não vomita?
Um início de catarata
Improvisada
No canto do olho
Adoenta o hímen,
Acaricia sua pureza,
E uma espécie não antes sentida
De orgasmo
Extravasa calado
Na calada
Da noite, cálida
- Aberta crisálida.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

(MAIS UMA) QUADRILHA

João amava Teresa que amava João e Raimundo
que amava João e Maria que amava João e Joaquim que amava [Lili
que amava João, Teresa, Raimundo, Maria e Joaquim.
João propôs poliamor, Teresa, relacionamento aberto,
Raimundo, namoro entre casais, Maria, troca de trisais,
Joaquim, ménage à six e Lili(th), sexy,
o desapego a seis.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

SEM TÍTULO (VOCÊ ESTÁ NESTA NOITE.)

Você está nesta noite.
Tanotrópica.
Nenhuma luz toca
Em nenhum tópico
De seu corpo,
Nem com a maestria
Natural nem com o artifício.
Não teme, não treme:
O débito cardíaco
Está em dia.
Não é preciso luz.
Cria sua própria
Teantropia. 

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

VOZIO

Pela sua voz
Outras falam.
Uma bruxa canibal
Vem da Idade Média
(Da de antes e da de hoje)
Para vibrar
Com suas cordas vocais,
Comer a carne de
Algumas palavras.
Uma castratrix
Asfixia seu som
E provoca estalos.
Nulifica sílabas.
Uma radfem virtual
Entretém uma treta,
Uma teia (anti)comunicativa
Que ergue a armação
Da noite e além.
Tecnovamp,
Suga um pouco
O sangue do recém-dia
Para, em paz,
Dormir na própria
Desapropriada voz. 

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

SEM TÍTULO (UM TOQUE DE GOUACHE,)

Um toque de gouache,
Gauche – desvio de cor
Que coloriu
Algum desavisado branco,
Já antes de branco colorido.
Não se sabe se de gáudio
O desvio se aventura,
Ou se porventura de rebeldia,
Deslize de um dia
Sem sal ou saldo
De alegria.
Da beleza ou do horror,
Da dor ou do prazer,
O toque criou
(Se cria)
O rumo estranho,
Sempre um rumo
Onde há
O que não havia.    

domingo, 3 de setembro de 2017

SEM TÍTULO (BORBOLETAS BÊBADAS)

Borboletas bêbadas
Roçam os indícios da lua
Que sua íris envolve,
Embriaga.
Uma luminescência espaneja
O gouache de uma cor
Que escapou de uma asa
E se perdeu no ar,
Se misturou
Com outras cores do ar.
Há uma incessante combinação
No ar...
Agora noir. 

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

PLENUGEM

A pele morcega
Envolve a pisciana escama,
Que esconde a película,
Himeneia película
De nenhuma pele conhecida.
A pele serpentina,
A tarantulina penugem,
A carapaça rino
E a pele de seda
Cedendo ao meu toque
De alterpele - a mesma.
Xenopeles - as mesmas
- Terráqueas,
Desconhecidas,
Encapsulando
A couraça do poema.
Penugem, pele, salsugem
E o céu:
Asas plenas – de planugem.
Peles de seda,
E as ensanguadas,
Todas alter
Em outras alter
- As mesmas;
Confusas, múltiplas,
Compactadas.
Pele do mundo
- Todas, altertodas,
Nenhuma, as mesmas.
Dormem, sonham, tocam, vivem
As peles, pelas peles.
A seda, o mundo
E a pele sensual das lesmas. 

quarta-feira, 21 de junho de 2017

TENSIVO

Opalináceas revoam o céu heráldico,
Azul-leitoso como a beleza vaga
De um desmaio de sono.
Uma permuta de oscilações,
Um delírio cromático –
Cromo em Cronos – tenta
Destruir a representação,
Marchetando o mundo
Pelo ouriveso de algum oculto artista.
Entre o representado e a destruição,
Frincho as palavras,
Exaspero o desejo da tensão.  

segunda-feira, 19 de junho de 2017

SEM TÍTULO (O BODE DIVINO)

O bode divino
Em estado de dor e aleluia
Estertora, convulso,
Ora na confusão
De procurar no corpo
Todos os seus pênis
E vaginas.
Seus ouvidos afeitos
Aos salmos, aos cantos
E às recitações aforísticas
Já não distinguem
Entre o que entoa
A vagina da testa
E os seis ânus
Do abdômen.
Excitado com a confusão,
Com a dor e com a luz,
Os pênis da cabeça
Imitam a coroa de espinhos.
O bode divino
Bale o bafio da besta
Com saudades
Do corpo de Deus.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

SEM TÍTULO (MAIS LEVE QUE FÉCULA,)

Mais leve que fécula,
Mínima como gesto de feto,
Precisa como ponta de faca,
Inconsciente como a vida,
E ao mesmo tempo
Ática fácula,
É a película de saliva
Que recobre um seu dente
Quando quase fala
Algo que só se fala
Quando a luz se acalma.

terça-feira, 23 de maio de 2017

SEM TÍTULO (O CEDRO DO CORPO TE OFEREÇO,)

O cedro do corpo te ofereço,
Já com as marcas da extinção.
O sacré coeur, o sacrifício.
As nuvens dos olhos
Que miram as nuvens.
Às vezes nos deparamos,
Escondida nos bosques,
Com as fezes de Deus, producente,
Como os próprios bosques.
A produção te ofereço,
Mas também seus vazios,
Mais os vazios,
A natureza desviante.
Um trisal de pássaros
Produz música.
Seus olhos, em pleno dia,
São como cristal.
Mas sua música
É imitação de pios
De outros pássaros,
E outros, cada vez outros,
E de si mesmos, os três.
Assustadoramente, a música
É um simulacro de pios
Que produz cada vez
Mais simulacros, sem origens,
Como se fossem vazios.

terça-feira, 16 de maio de 2017

DESORGANIZADO

Os órgãos fogem do corpo.
Antes deslocados, desencontrados,
Com funções diversas, entrançadas
E desreguladas.
Agora fogem.
Animais selvagens procuram o corpo,
E não os órgãos.
Resvalam no corpo,
Zoneiam suas localidades.
Vegetais crescem,
Se erguendo para o corpo.
Os órgãos fogem acuados
Pela música, pela folhagem
Densa dos sons, pelos rosnados,
Latidos, pela sensação
Real de um crime.
No corpo ora habitam animais,
Uma caótica floresta
E uma seita em que convivem
Misticismo sáfico
E profanação androide.
Uma sábia da seita
Diz que todo ateu
Encontra, no prostíbulo,
Alguma espécie de sagrado.

domingo, 7 de maio de 2017

CORPO EM ATO

O teatro do corpo,
O teatro de seu crescimento,
Das transformações
De sua usina química e psíquica.
O teatro social do corpo,
Sua inscrição no teatro geral
Após o estudo individual,
Que persiste em seu aprimoramento
No quarto de estudo.
O teatro do prazer e da violência
Do corpo, no corpo,
O teatro de suas doenças,
De suas intermináveis transformações;
Até o dia do teatro da agonia do corpo,
De sua decomposição, com novos atores
Secundários e principais,
Em um tablado abaixo da terra,
Mais exíguo; mais exíguo
E, finalmente, universal.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

SOMBRAS

Fontes rumorejam com o húmus.
Pássaros triscam rapidamente
O ar esverdeado pelas folhas.
Uma fantasia que resvala a sombra humana
Percorre em vulto, mas não se realiza.
Todavia as árvores, os pássaros,
As fontes exercitam suas úvulas,
Se avisam, se inocentam.
A cada vulto, se avoluma o medo.
A inocência, porém, nunca existiu:
É o manto verde da natureza,
Sua visão panorâmica, original.
As úvulas que se inocentam
Vibram na sintonia de clítoris
Brilhantes de prazer.
As fontes fecundam com furor
As terras, se afundam como invasoras.
O vento violenta as árvores.
Elas gostam, uivam de dor e prazer,
Como a vibração de todo o resto
Do fundo império.
Nunca se soube tão ao certo
O que é sombra humana
E o que não é.   

sexta-feira, 21 de abril de 2017

DE NOVO, NUNCA

Ruborizar a maçã fresca
Que frutifica com a manhã.
Renegociar, então, a dialética
Do dia e da noite,
No ínterim, no interior
Do ínterim que pausa
O movimento – imagem.
Perceber a ritualística do corpo –
Aquela que despercebemos.
Verificar a ritualística da natureza.
Respirar com ela,
Profundamente.
Renegociar, então, as ritualísticas,
O corpo, a natureza.
Guardar na mão o rubi do amor,
Encostá-lo na maçã do rosto
E ver frutificar, de novo, a fresca
Rubra manhã, nunca vista.
Melodiar o pássaro raiado,
De novo, nunca visto.   

PEDAGÓGICA

Uma milf só com espartilho negro chicoteia uma jovem nua de dezoito anos na pequena dungeon de sua casa, que ela elaborou com tanto cuidado. As rugas e as cavidades de uma se encrespam na lisura suave da outra. A língua que já disse tudo se liga à língua que já disse muito pouco. Forte como o suor do sádico, o hálito, os cabelos, os seios de uma tentam prevalecer recendendo seu poder, sua experiência, sua sabedoria, seu império, a inabalável divindade. Mas a jovem, no auge da dor, adquire rugas, cavidades (matizadas cavidades), lacerações que confundem feridas com o tempo, produzindo um novo imaginário realizado na arqueologia do corpo. O rosto força as rugas, é forçado às rugas. A experiência, a sabedoria da dor constrói, por sua vez, seu próprio império, pacientemente. A outra, enquanto cheira e lambe o suor da dor, vai rejuvenescendo um suor mais leve no próprio corpo, que alisa sua pele com a ingenuidade do prazer, essa criança que cria o desejo de ser criança. O suor catalisa o processo de modificação etária, nas vias de uma body modification que faz o natural conviver com o artificial. Quando a criança que antes tinha sessenta anos, e agora menos de dezoito, agarra tremendo pelo pescoço a idosa que antes tinha dezoito anos, e agora mais de sessenta, e olha o sorriso dúbio da slave, sabe que tem muito a aprender. E sabe que a beleza existe quando o crepúsculo de um deus se tensiona, para sempre, com a ascensão de outro.

sábado, 15 de abril de 2017

DIA

            Saiu de casa com uma vaga impressão de para onde iria. Não encontrou o fio de nenhum GPS mental, só um emaranhado de sugestões, uma trança de acasos que poderiam compartilhar suas coincidências se por um acaso coincidissem. Antes de sair, havia escovado os dentes. E o melhor fio dental é o que quebra sob razoável pressão. Antes de os escovar, tinha despertado, talvez. Essas temporalidades, esses atos, parecem não acabar, se mesclam com o resto do dia, com o indefinido resto dos atos, passos, repastos. E mesmo que se repassem, tais temporalidades, atos tais não coincidem em si mesmos, perdem a substância, que nunca tiveram, trocam suas substâncias, que nunca tiveram, compartilham-nas, nunca as tendo tido.
            Caminhou, percalçou as calçadas, caçou por onde pudesse encontrar o que perder. Não soube ao certo o nome das ruas, esteve no avesso ou atrás de todo nome, de toda nomeação, de todo rosto.
            Se deparou com uma profissão. Mudou de profissão durante o período da tarde, foi demitido de todas. Demitiu-se de todas. Nunca soube ao certo com quais profissões se deparou. Parou de imaginá-las.
            Encontrou uma mulher. Aquilo que chamamos uma mulher, ainda. Falou, desfalou. Falou desfalas. Dirigiu-a à casa. Aquilo que chamamos casa. Falhou o falo, a fala do falo falho. Falhar é um ato heroico. Não foi.
            A mulher se despediu, como aquilo que chamamos mulher, ainda, se despede daquilo que chamamos, ainda, homem. Na ausência de outras palavras, de palavras outras. Talvez algo de mulher tenha ficado nele, talvez algo de homem nela. Mas não há substância.
            Dormiu.

segunda-feira, 27 de março de 2017

SEM TÍTULO (O DELÍRIO DAS MULHERES)

O delírio das mulheres
- O delírio cósmico -
Faz coincidir realidade e sonho.
O delírio das mulheres
Avilta as separações
E após torna tênue
Suas sutis aderências.
O delírio das mulheres
É o abraço poroso
Das auroras nas filigranas
De suas mais mescladas horas.
O delírio das mulheres
- O delírio cósmico -
Sustenta a realidade, o sonho,
Os entranhamentos
De suas aderências,
Os estranhamentos,
Os desmoronamentos
(E a naturalização,
Também sutil)
De seus contatos
E de seus funcionamentos.
Se as mulheres pararem
De delirar,
Se pararem de delirar
Cosmicamente,
As máquinas do mundo,
Completamente bem reguladas,
Farão - pior pesadelo antidelírio –
Com que o mundo siga
Como se fosse possível. 

quarta-feira, 22 de março de 2017

SEM TÍTULO (A ABELHA PASSA)

A abelha passa
Deleuzzzziando
Sob nossa cabeça:
Ziguezaguezeia
Até a colmeia,
Mas para multiplicar
Ainda mais
Seus caminhos. 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

SEM TÍTULO (UM VEIO ANARCODESEJANTE)

Um veio anarcodesejante
Enrista o vento
Que investe em minhas narinas.
Encapelada, uma das fissuras
De meu olho estoura,
Memória e dispersão.
Farejante, o vento se inala,
Expele uma convulsão.
A História se bifurca,
Forca da própria evolução
Que se anacroniza.
Pós-anacrônico,
O vento persegue
Arquiteturas pluralistas.