terça-feira, 2 de julho de 2013

SEM TÍTULO (ALGUMA COISA SEMPRE PERMANECE)

Alguma coisa sempre permanece
E se mistura com outras coisas que permanecem.
Há correspondência
Entre a permanência das coisas,
Entre as coisas permanecentes.
O último amargor da boca
Permanece na comida após a despedida
E vai deixar agridoce o doce da sobremesa,
E vai se misturar com algum odor
Do banheiro que vai costear
O hálito da própria pessoa da despedida;
Mas o hálito da pessoa da despedida,
Bastante distante,
Será banhado por um refluxo de menta
Ou de rosas que alterará o cardápio olfativo,
Que se tornará mais diverso e complexo.
Este odor se esvai na memória e vai acender
Depois a lembrança de alguma cena
Em estado de déjà-vu que alterará o presente
Como um presente de grego do passado (mítico)
Que escarafunchará um buraco no tempo
E no espaço antes facilmente localizável.
As coisas que permanecem
São as coisas que não deixam nada sempre estável.
É preciso a eternidade destas coisas
(Que são coisas e não coisas)
Para que a inércia se mantenha
Na ordem do dia da volubilidade
De todas as transformações,
Mudanças bruscas e sutis,
Alterações, deslocamentos, acidentes...
O hálito da boca da distante pessoa da despedida
É sintoma de que os astros ou a sociedade
Sofrerão alguma revolução
Ou de que os longos cabelos de Deus
Foram levemente tocados
Com um delicado revoluteio barroco.
Talvez sempre haverá mais eco do que se pense
No meio de qualquer meneio por mais oco. 

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