segunda-feira, 30 de abril de 2012

A MARCA


Nunca foi feliz. Ela tinha uma marca, algo aprofundada, de cor feia, porém esta cor não percebia tão nitidamente seu desajuste, e o desajuste perpetuou um grito desejoso de permanecer na latência de uma harmonia. A harmonia se concretizou em outro nível. O grito do flanco ecoou para além de seu contexto. Nunca foi feliz. Mas ele nunca foi. Ela foi. Porque ele foi a harmonia. A marca, algo aprofundada, parecia uma espécie de local escarificado, uma espécie de cicatriz. E sua vida foi isto. Sua vida de lábios refletidos, vítimas de invaginação, como se as próprias entranhas atendessem ao pedido de uma espécie de amante extraído de si mesmas. Sua língua: lambedora, tilitadora dos próprios dentes, barreiras para que não despertasse para o mundo, para a pele do mundo, que se afastaria côncava. A fronteira eram os dentes; a concavidade, a resposta imediata. Como trepadeiras, as cicatrizes perfilavam somente onde poderiam: eram agora a geografia íntima e intimidada. Toda geografia íntima é um labirinto que se confunde com a floração das veias. A única via era (mas não foi) descobrir ou criar algum descompasso da pele com o desajuste da pele (do mundo). O somente aprofundado se fez profundo.         

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