terça-feira, 16 de novembro de 2010

Era ator. Seu nome – Estêves – era mais uma máscara; sua identidade era cambiante, à margem de todos os câmbios. Abastado... de cabelos e de aparições, soltas como os cabelos. Aparecia, às vezes como aparição mesmo. Aparecer passou a ser uma forma de existência. Nunca ser, sempre estar; naturalizar (ou não) o estado de processo, o processo do inacabado, o percurso do incompleto. Ser – expressão por demais complexa – parecia-lhe muito pouco mutável. Onde estava o ser? O ser precisava aparecer. E aparecer era a melhor forma de estar. E ele esteve vida afora. Esteve engraxate, ainda estando criança; esteve mecânico, já estando maior; esteve pequeno empresário, já estando um pouco maior; esteve falido, estando novamente menor. Acordava (ora em uma cama ora debaixo de jornais) e se assustava às vezes com a mutação no espelho (ora inteiro ora despedaçado). Nem sempre havia tempo de laboratório para a mutação de cada dia, mas logo acompanhava a peça e adquiria mais experiência. Esteve em circo: palhaço oficial da sociedade industrial. Esteve em mal caminho, pois é difícil andar reto em esquinas tortas. Por fim, um grande diretor abriu vagas para interpretar um anjo. Ele se inscreveu sem titubear. Ganhou o papel. Ninguém assistiu, mas esteve em sua mais comovente e convincente performance.

Um comentário:

camis disse...

f-a-n-t-á-s-t-i-c-o!