sábado, 13 de fevereiro de 2021

PÓS-CORPO


É muito difícil de encontrar a mulher de três seios. Às vezes, deixa pela casa potinhos de fezes duras e amarronzadas. Quando saio da jaula, persigo. Sua origem se confunde com a condição anômala. Só posso amá-la, ou amá-la antes de compreendê-la. Na realidade, não posso compreendê-la. Gosta de fazer o quarto-prisão da jaula aludir ao imaginário de Chernobyl. Gosto. Vazio, arruinado, com bonecas sexuais defeituosas. Relaciona-se com algumas. Há uma predileta que amamenta junto comigo. Também tenho de amar essa boneca. O corpo humano é obsoleto, a não ser quando anatomicamente desestabilizado ou sintético. Não sei o que será de meu corpo. Tem de ser humilhado, punido, o velho corpo, como a velha korpa. O seio do meio é desequilibrado, intruso perfeitamente anômalo em um corpo imperfeitamente equilibrado. Senti que eu poderia sugerir, com gestos, comê-lo junto com a dona, mas a boneca amada mandou calar qualquer indicação que pudesse caracterizar uma dádiva. Comer um seio anômalo só poderia ser uma dádiva. Nunca serei um monstro. Já tenho de agradecer a amamentação. Minha função no seio da existência é adorar, sofrer e depois morrer. Talvez eu seja comido como escárnio, pela mulher de três seios e pela boneca. Talvez por todas as bonecas. Como música de fundo, a da deep web. Filmarão? Venderão? É provável que não. Ser comido na deep web não é escárnio, deve ser também alguma espécie de dádiva, segundo a boneca, e não receberei nenhuma dádiva post-mortem.

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