segunda-feira, 25 de abril de 2016

SONHALIDADE

Um sonho sonha
Em mise en abîme.
Um idílio desemboca
Em um pesadelo,
Arrepia o próprio pelo
Como se pelo místico abismo
De uma teologia negativa.
O mise en abîme
Mais se abisma
- Idílios e/ou pesadelos -
Até que a origem
Se embace ou se esqueça.
Não há retorno,
Só há diferença.
Até o ponto
Em que a realidade
- A própria diferença -
Se aqueça e apareça
Perante o sonho e o sonhador.

DIÁLOGO PÚBLICO-PRIVADO

De que sarro fala?
Do sedimento do seu vinho?
Da saburra pós-suruba
Em que sua língua ácida 
Enveredou por algum caminho?
Do resíduo do tabaco
Ou da fuligem da pólvora
Do seu olhar que teima
Em uma artificial toleima
Que despista a profundidade
Do seu próprio olhar, mistério
De gruta ou no mínimo
(Nos dias mais burocráticos)
De escaninho?
Qual foi o mistério
Do diálogo daquela noite
- Belo diálogo entre seu ânus
Avinhado e a privada,
E depois entre seu ânus
Avinhado e minha boca?
Qual o diálogo
Entre a vida pública
E a privada no poema?
E até que ponto
Você irá tirar sarro
Desse esquema?

sábado, 23 de abril de 2016

SEM TÍTULO (AS MULHERES QUE ORVALHAM COM OS ANTÚRIOS.)

As mulheres que orvalham com os antúrios.
As mulheres que acariciam uma pomba de luto.
As mulheres que contaminam a terra com seus odores.
As mulheres que aquecem uma liturgia de amêndoas.
As mulheres que hipnotizam a lua com olhos de erva-mate.
As mulheres que canalizam metamorfoses lupinas.
As mulheres que comemoram festas pagãs.
As mulheres que conspiram magias de cabelos.
As mulheres que alimentam os animais.
As mulheres que ligam o céu à terra com o próprio corpo de [ocaso.
As mulheres que sinalizam a sociedade das dicotiledôneas.
As mulheres que dão forma e respiração às cidades.
As mulheres que fazem do poema um mantra. 

quarta-feira, 20 de abril de 2016

METADE

Me posto perante a árvore,
Ela também se posta perante mim.
Estou descansado.
Ela me fala das raízes
De sua história antiga,
Sua remota origem.
Me fala de sua sexualidade dúbia
E de suas oscilações,
De seu baixo material e corporal,
Que teme o desmatamento,
O genocídio de sua raça verde.
Meus pés estão descalços,
Inclusive de discursos.
Sinto o verde e a terra
Como se quisesse encontrar raízes,
O discurso da árvore.
Minha língua vermelha
Nunca será uma folha verde.
A árvore continua falando
Enquanto meus pés se esforçam
Para irem mais fundo.
As raízes de minhas veias arbustivas
Sangram vermelho, igualmente.
A árvore também descansa.
Compreendi metade do que ela disse.
A metade que não compreendi
Talvez seja a mais importante.

SEM TÍTULO (CONHEÇO SUAS ZONAS ERÓGENAS.)

Conheço suas zonas erógenas.
As que você já possui,
As que você cria e também possui,
As zonas fantasmas,
As escondidas, as sutis,
As dissimuladas.
Sou poeta, sou monstruoso
E sou delicado.
Não há (ou há?)
Nenhuma de suas zonas
Que eu não tenha encontrado (?).

segunda-feira, 18 de abril de 2016

MILAGRES

Os lábios brilhantes de Maria
Lambiscam o tutano do sentido da vida.
Seus outros lábios brilhantes
Salgam mais sua urina sagrada
- Chuveiro da revelação - em meu corpo,
Depositando fé na oração
Após chuva dourada.
É preciso matar um deus
Para receber sua unção,
Para encontrar um milagre.
Esse próprio parricídio é um milagre
Que enriquecerá o espaço vazio
Da sua humanidade interior,
Que já é um glorioso cemitério de deuses.
Bebo o leite de mãe Maria
Com a malícia da ingenuidade
De uma criança.
(E se Cristo fosse um cabideiro?
Maria ali esqueceria alguma lingerie?).
Preciso retomar o amor de Deus
Ou de algum deus.
Satã trai, costuma ser traidor.
É preciso que nós traiamos os deuses,
Para que façam efeito.
Preciso de um deus primitivo
Que se aliasse à sua contemporaneidade.
Ricoeurtado de algum momento
Pós-freudomarxonietzschiano,
Ou vaticinado por Vattimo, ou...?
Ou ainda assim às vezes jaguarificado
Como xamãs de Mbaeverá?
Ou então erótico-batailliano?
Farei uma seleção de deuses
E verei qual deles me escolherá
Para que eu o escolha.
Porém marianista permaneço:
Sua urina me fascina,
Seu milagre é todo dia.
Que esse cemitério de deuses
Floresça após o inesgotável milagre
De sua chuva de ouro.     

terça-feira, 12 de abril de 2016

MASCARADA

Um sorriso amarelo,
Embebido em uma sensação
De infecção urinária;
Os dentes como cristais
Boiando na urina.
O sorriso cotidiano.
Que sorriso por trás
Do sorriso seria libertador,
Lúdico, sensual, transgressor?
Qual a máscara genuína
Atrás da máscara falsa?
Mas que máscara é genuína?
Genuíno não é o sabor
De assumir a mascarada?

sábado, 9 de abril de 2016

PRAGA

Minha poesia é ping pong.
Só falo do amorzinho da vida.
Só quero likes em seguida,
E ser famoso até em Hong Kong.

Já eu só digo cocô, nunca merda.
Não consigo não rimar em ão,
Pois poesia é coisa que só se herda
Do mais nobre coração.

Vão todos tomar no cu,
Bando de calhorda.
Que a filha de Belzebu -
A poesia - lhes prepare a corda.

SEM TÍTULO (SEU SUOR DELICADO,)

Seu suor delicado,
Uma porção
De luz salgada
Que minha língua
Usa como guia
Na escuridão.

terça-feira, 5 de abril de 2016

LENDA URBANA

Veloz Lolita
(Ainda hoje
Com lollipop),
Lançava olhares,
De cima do skate,
Como loops
De alguma música pop
Para seus amigos skaters.
Já teve Pool Riding,
Hoje quer Big Air.
Antes, no FreeStyle,
Suas sequências
Trouxeram amizades
E haters.
Os amigos têm saudades
Da lépida fada
Intrépida no street.
Ano passado,
Dizem as lendas
Que a reviram
Na cidadezinha
Fazendo, free,
Uma sequência
Em busca de manobras
E rimas perfeitas:
Kickflip,
360 flip,
Inward heelflip,
Hardflip.
Depois manobrou
Um beijo
E sumiu rapidamente
Ao som de algum hit.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

SEM TÍTULO (AGORA, COM NOSSOS DEUSES MORTOS,)

Agora, com nossos deuses mortos,
Ou melhor, ausentes,
Podemos amar no poema.
Podemos dilacerá-lo,
Fazê-lo vibrar em todos
Seus recursos e procedimentos.
Agora, podemos compreender
Que o poema faz o amor,
E que tudo o que você sente
Já antes foi testado
Em alguma rima,
Métrica ou som motivado.